Luanda – A Nova Cimangola, uma das principais cimenteiras de Angola, voltou a estar no centro de polémicas devido à alegada disparidade salarial entre trabalhadores nacionais e expatriados, e à predominância de estrangeiros em cargos de chefia, apesar do controlo estatal da empresa.
A controvérsia reacendeu-se após o discurso sobre o Estado da Nação, no qual o Presidente João Lourenço destacou os 50 anos de independência de Angola e a “libertação do jugo colonial”. No entanto, vários observadores consideram que a realidade laboral em algumas empresas públicas contrasta com o ideal de soberania defendido pelo Chefe de Estado.
Depois do arresto, em 2020, de 49% das ações da Ciminvest — empresa então controlada por Isabel dos Santos —, o Estado angolano passou a deter 88% do capital social da Nova Cimangola. Apesar disso, críticos afirmam que a empresa se tornou um exemplo de “neocolonialismo económico”, por continuar dependente de quadros estrangeiros altamente remunerados.
De acordo com informações obtidas por fontes internas, cerca de 70 expatriados recebem, anualmente, mais de 13 milhões de dólares em salários e bónus — um montante superior ao total pago a mais de mil trabalhadores angolanos.
Entre os casos citados estão os do presidente da Comissão Executiva, o português Pedro Mariano Campos, e a sua esposa, Elsa Maria de Oliveira Careto, diretora de Imagem Corporativa e Tecnologias de Informação, cujo rendimento conjunto ronda os 50 mil dólares mensais. O diretor comercial, Germán Carrillo Romero, de nacionalidade colombiana, é apontado como o mais bem pago da empresa, com cerca de 26 mil dólares mensais.
Outros gestores portugueses, responsáveis pelos departamentos de Recursos Humanos, Jurídico e Compras, recebem entre 15 e 22 mil dólares por mês, enquanto chefes de áreas operacionais estrangeiros auferem, em média, 12 mil dólares. Em contrapartida, os chefes de departamento angolanos ganham cerca de dois milhões de kwanzas mensais, o equivalente a seis vezes menos.
Um jurista ouvido sob anonimato classificou a política salarial da empresa como “um insulto à soberania nacional”, questionando a necessidade de contratar juristas estrangeiros para funções que poderiam ser desempenhadas por profissionais angolanos.
Trabalhadores locais também expressaram insatisfação, considerando “excessivo” o número de expatriados e “injustificáveis” as remunerações elevadas. “Dizem que é por causa da experiência internacional, mas há muitos angolanos qualificados e desempregados”, afirmou um funcionário.
O presidente do Conselho de Administração da Nova Cimangola é Agostinho da Rocha Fernandes da Silva, membro do Comité Central do MPLA e ex-vice-governador das províncias do Bengo e de Cabinda. A empresa tem ainda administradores e diretores angolanos com ligações políticas, incluindo Manuel da Silva Pacavira Júnior, que aufere cerca de 18 mil dólares mensais, e o seu filho, Paulo Lukeny Pacavira, responsável pela Direção de Projetos Especiais e Gestão Ambiental.
Analistas veem o caso da Nova Cimangola como um reflexo mais amplo da estrutura económica do país, marcada pela concentração de poder nas mãos de uma elite e pela dependência de técnicos estrangeiros.
Apesar de o Presidente da República ter destacado o crescimento do ensino superior em Angola — com mais de 100 universidades e 330 mil estudantes —, críticos apontam a contradição entre esses números e a preferência por expatriados em cargos estratégicos nas empresas públicas.
Para muitos analistas, a Nova Cimangola simboliza as contradições de um Estado que, cinco décadas após a independência, continua a enfrentar desafios de soberania económica e valorização do trabalho nacional.
“O país pode ser livre no hino e na bandeira, mas a independência verdadeira só existirá quando o mérito e a dignidade deixarem de depender de passaporte estrangeiro ou filiação partidária”, afirmou um académico ouvido pelo Maka Angola.

