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A deriva de uma esperança: O declínio da promessa de João Lourenço “um Estado rico, mas um povo pobre”

by REDAÇÃO

Quando João Lourenço assumiu a presidência de Angola em 2017, muitos viram nele uma esperança renovada para um país que ansiava por mudanças profundas. O seu discurso inicial, marcado por promessas de combate à corrupção e de reformas institucionais, fez acreditar que finalmente o país poderia caminhar para uma governação mais transparente, eficaz e justa. No entanto, quase oito anos depois, essa expectativa deu lugar a uma profunda desilusão.

Longe de consolidar uma democracia saudável, Angola parece hoje presa num sistema autocrático debilitado, comandado por um líder que, apesar do poder quase absoluto, perdeu grande parte do apoio popular. A popularidade de João Lourenço esmoreceu à medida que a realidade no terreno revelou-se incongruente com a retórica reformista que o trouxe ao poder.

A percepção de impopularidade do presidente é visível tanto nas ruas como nas redes sociais e nos círculos intelectuais. A sua liderança, marcada inicialmente por uma postura mais acessível e descontraída, cedeu espaço a uma figura cada vez mais isolada, enclausurada numa torre de marfim, cercada por aduladores e conselheiros que parecem mais interessados em agradar do que em relatar a realidade.

A crescente frustração da população tem raízes profundas. O desemprego em massa, a pobreza persistente, a deterioração dos serviços públicos, especialmente na saúde e educação, são realidades diárias para milhões de angolanos. Embora parte dos problemas possa ser atribuída a fatores externos como a queda do preço do petróleo, é inegável que muitos resultam diretamente de má gestão, corrupção estrutural e prioridades governamentais desalinhadas com as reais necessidades do povo.

É particularmente revoltante que, enquanto se acumulam queixas sobre a falta de recursos para atender necessidades básicas da população, o país invista somas exorbitantes em projetos simbólicos e operações externas – como a manutenção de uma rede diplomática desproporcional, viagens presidenciais luxuosas, e programas de lobbying internacional.

O contraste entre esse país “de fachada” – dono de um satélite próprio, com pretensões de potência regional – e o sofrimento diário da população, é um retrato do descompasso entre o regime e a realidade angolana.

Diante da perda de apoio e da pressão crescente, o regime intensificou mecanismos de controle político. As tentativas de enfraquecer a oposição, especialmente a UNITA, tornam-se cada vez mais evidentes – seja por via da alteração de leis eleitorais, pelo domínio dos tribunais e da Comissão Nacional Eleitoral, ou pela repressão direta a manifestações e à imprensa crítica.

A perseguição a figuras e instituições que divergem do governo, como a Ordem dos Advogados, e o fortalecimento das forças de segurança com recursos substanciais, apontam para um endurecimento do regime. A repressão política, a censura velada e o medo são ferramentas que substituíram o diálogo e a conciliação.

O MPLA, que há quase meio século ocupa o poder, mostra sinais claros de desgaste. A longevidade do partido no comando do país gerou fadiga e saturação social, sentimentos exacerbados por uma governança que falha em oferecer soluções concretas para problemas estruturais.

Dentro do próprio partido, há dissensões e críticas à condução de João Lourenço – algo inédito desde os tempos de José Eduardo dos Santos. A sociedade civil, cada vez mais ativa e consciente, também parece ter perdido a fé na promessa de renovação que João Lourenço representava.

Em 2014, fui dos primeiros a apontar João Lourenço como provável sucessor de José Eduardo dos Santos, com base em indícios políticos concretos. Hoje, lamento constatar que o seu legado caminha para ser lembrado mais por oportunidades perdidas do que por conquistas reais.

O investimento que Angola precisa para sair do marasmo económico – um investimento sério, sustentável e transformador – dificilmente virá enquanto persistirem problemas como corrupção sistémica, fragilidade judicial e instabilidade institucional. E essas são barreiras criadas, ou mantidas, pelo próprio regime.

João Lourenço iniciou o seu mandato com o peso e a honra de representar a mudança. No entanto, o que vemos hoje é uma liderança em rota de colisão com a realidade do país. A promessa de um Estado moderno e reformado foi trocada pela perpetuação de práticas ultrapassadas e mecanismos de dominação.

Resta saber se, a tempo, o presidente reconhecerá a necessidade urgente de mudar de rumo – ou se deixará como herança apenas mais um capítulo de desilusão na história política de Angola.

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