A crescente crise económica em Angola tem levado muitos jovens a recorrer a medidas extremas para sobreviver. Uma dessas práticas é a venda de sangue, uma troca feita por dinheiro ou bens essenciais, algo que, além de ser ilegal, coloca em risco a saúde dos envolvidos. Especialistas alertam para os perigos dessa prática, enquanto cidadãos pedem ao Governo medidas urgentes para combater esse fenômeno.
Nas províncias de Cuando Cubango e no sudeste do país, a prática de vender sangue em troca de compensações financeiras tem se espalhado. De acordo com relatos de moradores locais, a dificuldade de acesso aos recursos e a falta de empregos impulsionaram essa situação, que se tornou um sistema informal, mas preocupante.
Adão Maick, de 34 anos, é um dos jovens que se viu forçado a vender sangue para sustentar sua família. Ele trabalha em uma unidade sanitária e observa diariamente a escassez de doadores voluntários. “O pouco que recebemos já ajuda em casa. Dá para comprar carvão, trocar a botija de gás e aguentar alguns dias até repor as energias”, explica, destacando a realidade difícil de muitas famílias.
Outro jovem, Manuel Chapeio, de 33 anos, também se tornou vendedor de sangue após a fome e a pobreza o levarem a essa decisão. Inicialmente um doador voluntário, ele começou a vender meio litro de sangue por cerca de 15 mil kwanzas (aproximadamente 16 euros), e um litro completo por 25 mil kwanzas (cerca de 26 euros), como forma de garantir a sobrevivência.
Apesar de a prática ser proibida pela legislação angolana, que proíbe a comercialização de sangue e outros componentes biológicos, a realidade no terreno é bem diferente. A Lei n.º 20/19, de 2019, e o Decreto Presidencial n.º 281/14, que regula a doação de sangue e a criação do Instituto Nacional de Sangue (INS), não permitem que o sangue seja vendido. Segundo a legislação, a doação deve ser voluntária e sem qualquer compensação financeira.
No entanto, a escassez de doadores voluntários e as dificuldades financeiras enfrentadas pela população têm alimentado essa prática, tornando-a cada vez mais comum em diversas regiões do país.
Embora a venda de sangue possa parecer uma solução imediata para quem está em situação de extrema necessidade, especialistas em saúde alertam para os riscos que envolvem a prática. O médico Damásio Capinji Tchitutula lembra que, para garantir a segurança de um doador, é preciso seguir critérios rigorosos, como ter entre 18 e 65 anos e pesar pelo menos 50 kg. A qualidade do sangue coletado pode ser comprometida quando as condições de vida do doador são precárias, como é o caso de muitos que optam por essa prática.
“Indivíduos que vivem em condições precárias, sem alimentação adequada ou descanso, não devem ser considerados doadores de sangue”, ressalta o médico, reforçando os perigos à saúde tanto dos doadores quanto dos pacientes que receberiam esse sangue.
Júlio Biete, um agente social, destacou que a pobreza está levando muitos jovens a tomar a difícil decisão de vender sangue como uma forma de sobrevivência. Para ele, é urgente que a sociedade, o Governo e as organizações civis encontrem soluções sustentáveis para ajudar essas pessoas sem que precisem recorrer a práticas tão arriscadas.
A venda de sangue é um reflexo de uma crise econômica profunda que afeta muitas famílias angolanas. A falta de apoio, emprego e condições básicas de vida coloca a população em uma situação desesperadora. É fundamental que o Governo e as autoridades de saúde implementem políticas eficazes para erradicar essa prática e oferecer alternativas viáveis para aqueles que lutam para sobreviver.
O problema vai além da ilegalidade: trata-se da saúde pública e da dignidade humana. Por isso, é crucial agir para garantir que os jovens angolanos não precisem mais recorrer a medidas tão extremas e perigosas para sobreviver.