Dos pouco mais de 3,4 biliões Kz contratados pelos vários órgãos do Estado, apenas 12 mil milhões Kz, equivalentes a 0,3% do total, foram em procedimentos que não o ajuste directo, aquele que é considerado o procedimento menos transparente de todos. Esta é, em parte, a consequência do recurso a linhas de crédito.
Fonte: Expansão
Os ajustes directos continuam a dominar a contratação pública no País e no ano passado representaram 99,7% do valor total dos contratos públicos comunicados pelos vários órgãos do Estado ao Serviço Nacional de Contratação Pública (SNCP), depois de o valor dos contratos ter praticamente triplicado face ao que foi contratualizado em 2022.
De acordo com cálculos do Expansão com base nos Boletins Estatísticos da Contratação Pública Angolana (BECPA), do I e II semestre de 2023, publicados pelo SNCP, dos pouco mais de 3,4 biliões Kz contratualizados em 2023 e submetidos a este órgão de fiscalização, apenas 12 mil milhões Kz, equivalentes a 0,3% do total, foram em procedimentos que não o ajuste directo. E se a liderança do procedimento de contratação simplificada (ajuste directo) acontece nos valores, o mesmo acontece em relação ao número de contratos, já que dos 377 contratos fechados no ano passado, 309 (87% do total) foram através deste procedimento que é considerado o menos transparente de todos os procedimentos de contratação pública.
Em termos homólogos, os ajustes directos disparam assim de quase 1,4 biliões Kz 2022 para pouco mais de 3,4 biliões Kz, no passado. Segundo o Serviço Nacional da Contratação Pública este “salto” deve-se ao facto de “os contratos por contratação simplificada apresentarem regularmente o valor contratual, contrariamente a outros tipos de procedimentos, que muitas vezes não trazem o valor estimado ou contratualizado”. Ou seja, apesar de a contratação simplificada ser aquela que é menos transparente ( já que afasta a concorrência entre as empresas) os órgãos públicos que estão a divulgar ao SNCP os contratos por ajuste directo estão a cumprir a lei que os obriga a comunicar também os valores, ao contrário do que está a acontecer com outros tipos de contratação que por norma ocultam os valores envolvidos.
O facto dos ajustes directos serem o tipo de procedimento de contratação pública cujos valores são mais elevados, para vários especialistas é “escandaloso” e compromete a transparência exigida na Lei dos Contratos Públicos e em nada abonam no processo de combate à corrupção.
Ainda assim, segundo apurou o Expansão, isto deve-se sobretudo ao facto de a contratualização das grandes obras do País estar a ser financiada por linhas de crédito disponibilizadas por outros países, que no quadro dos seus processos de internacionalização e exportação impõe a contratualização de empresas dos seus países. Ainda assim, Heitor Carvalho, coordenador do Centro de Investigação Económica da Universidade Lusíada Angola (CINVESTEC), considera que um valor tão elevado de ajustes directos “compromete a transparência quase na sua totalidade”. “Vejo com enorme preocupação que a quase a totalidade dos contratos públicos tem sido feita por contratação simplificada, que retira praticamente a transparência exigida nestes contratos”, disse o investigador.
O economista defende que deve ser criado um mecanismo que ponha fim a esta prática, já que este tipo de contratação, que deveria ser de excepção está a tornar-se regra. “Só vejo um caminho que é o de substituir a legislação existente, impedindo a contratação simplificada para casos que não en quadrem em situações de calamidade ou mais graves”, considerou.
Já Fernandes Wanda, coordenador do Centro de Investigação Social e Económica da Faculdade de Economia da Universidade Agostinho Neto, entende que a contratação simplificada retira a concorrência que é necessária para o desenvolvimento e crescimento da economia. “Há uma exagerada preferência pela contratação simplificada que acaba por distorcer a sã concorrência que caracteriza uma economia de mercado”, disse.