Recentemente, declarações vindas de Angola sobre o cenário político português chamaram atenção para um tema que tem repercussões além das fronteiras: o estado atual da democracia em Portugal. O secretário para a Reforma do Estado, Administração Pública e Autarquias do MPLA, Mário Pinto de Andrade, manifestou-se sobre os resultados das últimas eleições legislativas portuguesas, classificando-os como um “retrocesso democrático”.
Segundo Pinto de Andrade, a derrota do Partido Socialista (PS) português nas urnas representa uma perda para a democracia, considerando o papel histórico da sigla na construção do regime democrático em Portugal. No entanto, essa visão levanta um debate fundamental: em democracia, nenhum partido tem um direito garantido à continuidade. O prestígio histórico não assegura votos, nem imuniza uma força política contra o desgaste natural do tempo e da insatisfação popular.
Exemplos não faltam na história. O Partido Federalista nos EUA, por exemplo, desempenhou um papel vital na fundação do país, mas desapareceu por volta de 1820. Mais recentemente, o Partido Socialista francês perdeu relevância e hoje depende de alianças para manter alguma influência. O mesmo pode ocorrer com o PS português se não souber renovar-se.
As críticas de Pinto de Andrade, embora dirigidas a Portugal, acabam por ecoar uma realidade interna angolana. Assim como o PS português, o MPLA é um partido com um legado histórico importante. Mas essa herança, por si só, não garante legitimidade eterna. O eleitorado muda, as exigências da sociedade evoluem, e partidos que não acompanham essa transformação tendem a perder espaço.
As populações — tanto em Angola quanto em Portugal — parecem enviar sinais claros de que desejam mudanças. O descontentamento generalizado, especialmente entre os mais jovens, reflete-se nas urnas e em novas opções políticas que surgem fora do tradicional espectro partidário.
Pinto de Andrade também demonstrou preocupação com a vitória da direita, destacando a ascensão do partido Chega como um elemento preocupante. Hoje, o Chega é a terceira força política de Portugal, empatado em número de deputados com o PS. Esse crescimento, ainda que polêmico, é sintoma do mal-estar político e social acumulado ao longo de décadas.
O desafio atual dos partidos tradicionais, como o PSD e o PS, é encontrar uma fórmula de governabilidade diante desse novo cenário. A vitória da Aliança Democrática (AD), liderada pelo PSD, não veio com maioria absoluta, o que coloca o primeiro-ministro Luís Montenegro numa posição frágil. Uma possível solução seria adotar o modelo de coligação estável utilizado em outros países europeus, como a Alemanha.
Classificar essas mudanças como um “retrocesso democrático” talvez seja uma leitura apressada. O que está a acontecer em Portugal — e também em Angola — é uma reconfiguração das forças políticas, impulsionada por sociedades mais exigentes e conectadas. A democracia, longe de retroceder, está a ser posta à prova, o que é saudável quando acompanhado por participação cívica e respeito pelas instituições.
Para Angola, a mensagem é clara: o ciclo iniciado há cinquenta anos está a encerrar-se. O MPLA, se quiser manter relevância, terá de abandonar a ideia de que a vitória eleitoral é um direito adquirido. É tempo de se reinventar, ouvir o povo e dar espaço a novas ideias e lideranças. Ainda há tempo para isso, mas o relógio político não para.
O que vemos tanto em Portugal quanto em Angola é uma sociedade que deixou de se contentar com o passado e passou a exigir um futuro diferente.