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Os Estatutos do MPLA e a falsa bicefalia: O futuro da liderança Angolana

Recentemente, muitos analistas e observadores têm debatido a revisão dos estatutos do MPLA, sugerindo que essa mudança pode possibilitar um sistema “bicefálico”, onde João Lourenço continuaria a ser presidente do partido, enquanto outro membro seria escolhido para ser o candidato à presidência da República. Embora as novas normas propostas permitam esse cenário, a realidade histórica nos mostra que sistemas desse tipo raramente funcionam como esperado. A chamada “bicefalia” tende a ser uma falsa divisão de poder, com uma das figuras, geralmente a que ocupa a Presidência da República, mantendo o controle efetivo.

Em novembro de 2023, o Comité Central do MPLA aprovou a proposta de revisão dos estatutos do partido, que agora será submetida ao congresso extraordinário previsto para dezembro. Essa revisão visa corrigir uma contradição interna entre diferentes artigos dos estatutos. Por um lado, o artigo 120.º estabelecia que o presidente do partido deveria ser o candidato à presidência da República, enquanto outros artigos indicavam que a escolha do candidato seria feita através de um processo deliberativo no Bureau Político e no Comité Central. Esse conflito gerou a necessidade de ajustes.

Com as mudanças, os novos artigos 82.º, 91.º, 119.º e 120.º detalham que os candidatos a deputados, vice-presidente da República e presidente da República serão escolhidos por um processo em que o Bureau Político propõe e o Comité Central aprova. Isso implica que o poder de decisão será centralizado nessas duas instâncias, enfraquecendo a importância do congresso e do próprio presidente do partido, que pode se ver em desacordo com as decisões do Comité Central, como já aconteceu em outras partes do mundo, como em Moçambique.

Além disso, outras alterações menores nos estatutos incluem a reorganização da estrutura territorial do partido e um aumento na influência da Comissão de Disciplina, que pode se tornar uma ferramenta importante no combate à corrupção interna e no controle das purgas partidárias. Essas mudanças também reforçam a ideia de um controle mais centralizado e rígido, similar ao que ocorre em regimes de partido único.

A ideia de uma bicefalia, onde duas figuras compartilham o poder, não é nova, mas historicamente ela tem se mostrado inviável. Em países como a União Soviética e, mais recentemente, na Rússia de Vladimir Putin, o que parecia ser uma divisão de poder foi, na prática, uma concentração total nas mãos de uma única pessoa. Durante o regime de Stalin, por exemplo, o chefe de Estado Mikhail Kalinin era uma figura simbólica, enquanto Stalin controlava todos os aspectos do poder. Da mesma forma, quando Putin foi impedido de se reeleger, ele fez com que Dimitri Medvedev ocupasse a presidência, mas sempre manteve o controle absoluto por trás das cortinas.

Em Angola, a realidade do poder também reflete essa dinâmica. Embora o presidente do partido tenha uma posição de destaque, é quem ocupa a Presidência da República que detém o controle real. O presidente da República tem o comando das Forças Armadas, das polícias e do orçamento do Estado, elementos essenciais para o controle político e social. Em uma sociedade como a angolana, que depende profundamente do Estado para recursos e benefícios, quem controla o poder econômico e militar acaba por ser a figura dominante.

Sem acesso direto a esses recursos, o presidente do partido fica em uma posição vulnerável. Portanto, é improvável que qualquer tentativa de estabelecer uma bicefalia eficaz em Angola funcione de maneira sustentável. Para que isso fosse possível, seria necessário um sistema semipresidencialista, no qual o presidente do partido também fosse o primeiro-ministro, com poderes executivos reais. No entanto, essa mudança exigiria uma reforma constitucional, algo que parece altamente improvável no curto prazo.

Diante disso, a questão para João Lourenço é clara: ou ele opta por buscar um terceiro mandato, ou se afasta definitivamente. Não há espaço para soluções intermediárias ou para uma verdadeira divisão de poder entre a presidência do partido e a presidência da República. A dinâmica política em Angola está se desenrolando de forma que não há muitas opções viáveis, e a história tende a seguir um curso que elimina qualquer tentativa de compartilhar o poder efetivo.

Portanto, o cenário se desenha de maneira cada vez mais inevitável, e as forças políticas, econômicas e sociais do país precisam estar atentas a essas mudanças. O futuro de Angola passa por uma definição clara sobre a centralização do poder e a continuidade ou não da liderança de João Lourenço, mas é improvável que o sistema bicefálico proposto pelo MPLA tenha o impacto desejado. O alerta está dado, e resta aos angolanos refletirem sobre como o país deve avançar neste cenário político.

Fonte: Maka Angola