Luanda – Nos últimos tempos, têm circulado discussões e textos com pontos de vista controversos e, por vezes, imprecisos sobre o modelo político angolano e as implicações de quem deve ser o cabeça de lista nas eleições. Como alguém que sempre defendeu o debate construtivo e o respeito pela ética, sinto que é necessário esclarecer alguns conceitos para evitar mal-entendidos, especialmente sobre a questão da liderança política no país.
Há uma tendência crescente no discurso populista de confundir igualdade com identidade, e embora a intenção possa ser boa, a realidade é mais complexa. No campo político, é fundamental estudar os assuntos dentro de um quadro científico e ético, considerando a origem do sistema de governo angolano e as nuances que envolvem a figura do cabeça de lista e a liderança dos partidos.
O sistema de governo em Angola pode ser descrito como uma espécie de híbrido entre o presidencialismo e o parlamentarismo, e não é tão simples quanto muitos sugerem. No modelo angolano, a governança é estruturada de forma a permitir que o Presidente da República (PR) compartilhe o executivo com o primeiro-ministro (PM), como acontece em países com um sistema semi-presidencialista. Maurice Duverger, em seus estudos sobre sistemas políticos, já apontava a complexidade desse arranjo, onde o PR pode, eventualmente, não ter maioria no Parlamento e, por isso, necessitar de coabitar com um PM de outra ideologia ou partido.
Essa dinâmica pode ser observada, por exemplo, na França, onde o Presidente da República, mesmo sem maioria parlamentar, precisa dividir o poder com um primeiro-ministro com maioria no Parlamento, criando um ambiente de coabitação. Essa “bicefalia” (dupla liderança) exige moderação e flexibilidade, e é um conceito que se aplica também ao contexto angolano.
Angola adota um modelo presidencialista-parlamentarista com uma estrutura flexível, o que significa que a configuração do poder pode variar. Dependendo da situação política, o pêndulo pode inclinar-se mais para o presidencialismo ou para o parlamentarismo, com a liderança do partido coincidente ou não com a do cabeça de lista. Essa flexibilidade tem sido um tema abordado em minha dissertação de mestrado em 2012, e é um reflexo das mudanças nas dinâmicas políticas e partidárias ao longo do tempo.
Portanto, não é incoerente ou radical sugerir que, em determinadas circunstâncias, o cabeça de lista não seja, necessariamente, o líder do partido. Isso deve ser uma escolha estratégica, mais política do que jurídica, que visa adaptar-se às necessidades do momento, respeitando sempre os princípios do civismo e da ética.
No que diz respeito aos estatutos partidários, em especial ao artigo 120.º, que regula a escolha dos candidatos dentro dos partidos, há questões que merecem reflexão. Esse artigo exige um requisito que não está previsto na Constituição, o que pode levantar dúvidas sobre sua constitucionalidade. A revisão dessa norma parece ser uma medida necessária para melhorar a clareza do processo de escolha dos candidatos, evitando excessos de formalismo e garantindo que as decisões sejam mais coerentes com os princípios democráticos.
É interessante notar que, em 2017, o cabeça de lista do MPLA não era o presidente do partido, mas o vice-presidente. O mesmo ocorreu em anos anteriores, como em 2010 e 2012, quando as figuras de destaque nas eleições não eram os líderes formais do partido, mas sim outras lideranças de peso. Essa flexibilidade parece ser uma tentativa do então presidente José Eduardo dos Santos (JES) de testar um modelo mais flexível, que poderia acomodar diferentes lideranças dentro do partido e, ao mesmo tempo, garantir o fortalecimento da governança.
O modelo político de Angola, ao ser descrito como flexível e de “geometria variável”, demonstra que o país pode adaptar seu sistema de acordo com as necessidades políticas e as circunstâncias do momento. Em minha dissertação de mestrado, já apontava que o sistema seria forte se o Presidente da República também fosse o líder da maioria, mas poderia ser mais fraco e flexível se o cabeça de lista não coincidisse com a liderança do partido majoritário ou de uma coligação.
Essa flexibilidade no sistema angolano é um reflexo da necessidade de adaptação às diferentes realidades políticas e sociais. Um exemplo disso pode ser visto em países como os Estados Unidos, onde os líderes partidários têm um papel mais discreto, com sua principal função sendo garantir a disciplina do voto nas câmaras legislativas.
A questão sobre quem deve ser o cabeça de lista ou o presidente do partido não deve ser encarada com radicalismo ou excessos de ego. O importante é garantir que as escolhas feitas estejam em conformidade com os princípios e regras do sistema político, respeitando os precedentes históricos e a evolução do modelo angolano. Como em qualquer democracia madura, deve-se buscar a harmonização entre as várias partes envolvidas, evitando intrigas e desconfianças infundadas.
Por fim, acredito que o modelo de governo angolano tem muito a oferecer se for tratado com a devida flexibilidade e ética. Devemos continuar a refletir sobre essas questões, sem perder de vista a necessidade de moderação e entendimento entre todos os atores políticos, para que o país possa avançar para um futuro mais justo e democrático.