Lisboa – A história recente de Álvaro Sobrinho, ex-presidente do BES Angola, ilustra a complexidade do sistema jurídico e os desafios enfrentados pela justiça portuguesa. Sobrinho, que está fora de Portugal há três meses e sem data definida para retornar, é o principal arguido em um processo de grande relevância, acusado de desviar 400 milhões de euros da sucursal angolana do banco. No entanto, sua ausência no país e a falta de vínculo legal com Portugal têm suscitado questões e dificultado sua presença no tribunal em Lisboa.
Em agosto, Sobrinho foi retido no aeroporto de Lisboa, onde teve seu passaporte apreendido pela polícia. A surpresa? Ele não é oficialmente cidadão português há décadas. Apesar de usar documentos de Portugal, descobriu-se que Álvaro Sobrinho renunciou à nacionalidade portuguesa em 1984, fato que só recentemente veio à tona. Ainda assim, ele continuou a portar documentos portugueses até este ano, indicando uma falha no sistema de registros.
Com a renúncia da cidadania e a falta de dupla nacionalidade, Angola não é obrigada a extraditar Sobrinho, caso a justiça portuguesa o exija para julgamento. Com isso, a possibilidade de que ele compareça no tribunal para responder às acusações torna-se cada vez mais incerta. Sobrinho, ao retornar para Luanda, não cumpriu com os compromissos judiciais de Termo de Identidade e Residência, cuja morada registrada é em Cascais.
Em resposta à SIC, o Instituto dos Registos e Notariado (IRN) reconheceu que houve falha no processo de comunicação e atualização dos registros. Em 2011, o sistema de registos foi informatizado, mas a renúncia da nacionalidade de Sobrinho não foi adequadamente registrada, permitindo que ele renovasse os documentos por mais de 40 anos. O IRN destacou que a irregularidade foi identificada internamente em abril de 2024 e iniciaram-se medidas corretivas para impedir novas emissões indevidas de documentos.
A situação de Álvaro Sobrinho levanta um debate importante sobre como as falhas nos sistemas de identificação podem impactar processos judiciais complexos. Segundo o IRN, entre 2018 e 2023, 502 pessoas renunciaram à nacionalidade portuguesa, mas o caso de Sobrinho destaca como inconsistências nos registros podem ter consequências de longo alcance.
Sobrinho permanece em Luanda, fora do alcance direto da justiça portuguesa, e o caso representa um teste significativo para a capacidade das autoridades em assegurar que a lei seja aplicada igualmente a todos os cidadãos e ex-cidadãos envolvidos em processos de alta importância jurídica.