Durante duas semanas, era ela, apenas ela e para sempre ela. Kamila Valieva conheceu em Pequim, ao longo dos Jogos Olímpicos de Inverno, todos os estados de espírito que uma pessoa pode viver num lapso tão curto de tempo. Fez história, foi feliz, andou exuberante, tinha motivos de orgulho, esteve envolvida em polémica, chorou, andou nervosa, sentia-se injustiçada, sofreu pressão de múltiplas ordens. No epílogo de todo esse carrossel de emoções, no momento decisivo por uma medalha de ouro individual na maior competição de patinagem, quebrou. Caiu uma vez, caiu uma segunda, acabou fora do pódio desolada. No entanto, esse não foi o último capítulo do enredo que protagonizou qual meteorito. E havia notícias piores a chegar.

O Tribunal Arbitral do Desporto analisou a quando tinha apenas 15 anos, e considerou a atleta culpada, recusando assim as explicações que tinham sido deixadas pela própria e por toda a equipa técnica e demais elementos da Federação russa. Assim, a atleta foi sancionada com um castigo de quatro anos, o que poderá também fazer com que o país perca a medalha de ouro conseguida por equipas, o que faria com que os EUA subissem à liderança. Essa é a nuance que a CNN destaca da decisão: apesar da punição à atleta, o TAD coloca nas mãos das entidades responsáveis a hipótese de sancionarem também a equipa, um dado que terá desenvolvimentos em breve.

O “fumo” antes da confirmação do “fogo” que derreteu os sonhos adolescentes de Kamila começou a surgir depois da suspensão da cerimónia de entrega de medalhas da prova coletiva nos Jogos de Pequim, em 2022. Foi nesse dia que se tornou público que Kamila Valieva tinha registado um teste positivo a uma substância que faz parte da lista de proibições, a trimetazidina, normalmente utilizada para tratar de dores no peito e que ajuda também na circulação do sangue até ao coração. Os russos garantiam que a utilização do produto não trazia qualquer benefício ao alto rendimento, a argumentação de defesa alegava que se tratava de uma amostra contaminada por ser um produto que o avô tomava para os problemas cardíacos e os responsáveis acabaram por considerar que a atleta poderia competir porque, caso fosse inocente, teria sido privada de uma oportunidade que não voltava para trás. No entanto, o caso prosseguiu o seu rumo até à decisão do TAD.

Os argumentos foram-se entretanto multiplicando. Da parte da Rússia, que competiu não como Rússia mas como Atletas Olímpicos Russos, era recordado que, de acordo com o Código Mundial Anti-Dopagem, o facto de ter apenas 15 anos colocava Kamila Valieva como “Pessoa protegida”. Ou seja, por não ter ainda 16 anos, não poderia ser identificada como culpada no caso de haver uma violação das regras. No entanto, o facto de terem sido detetadas outras duas substâncias que não sendo proibidas podem ajudar a melhorar aquilo que é o rendimento desportivo com outros produtos (L-carnitina e hypoxen) levantava mais suspeitas. Tudo foi levado em conta na análise do caso, que terminou com a atleta a ser considerada culpada. A Agência Anti-Doping da Rússia já tinha decidido antes que a atleta não deveria ser sancionada mas o caso seguiu mesmo para o TAD por indicação da própria Agência Mundial Anti-Dopagem (WADA). A esse propósito, a BBC Sport recorda os inúmeros casos de testes anti-doping de russos nos últimos anos.

De recordar que Kamila Valieva, que chegava aos Jogos Olímpicos de Inverno em Pequim como a grande favorita depois de ter sido campeã mundial júnior e campeã europeia de seniores, teve um início fulgurante no programa curto, conseguindo um salto quádruplo que ficou para a história e que lhe deu uma vantagem confortável para o momento das decisões. No entanto, também por influência de toda a pressão que foi criando em seu torno depois da notícia do teste positivo, acabou por ter um segundo programa para esquecer, ficando mesmo fora do pódio atrás das compatriotas Anna Shcherbakova e Alexandra Trusova e da japonesa Kaori Sakamoto, naquela que ficou também como uma das principais reviravoltas a este nível.