A venda de 10% da participação da Galp na Área 4 da Bacia do Rovuma desencadeou uma batalha fiscal sem precedentes entre a petrolífera portuguesa e o Estado moçambicano. Em causa está uma cobrança de 12 mil milhões de meticais (cerca de 162 milhões de euros) em impostos sobre mais-valias, que a Autoridade Tributária (AT) exige e que a empresa considera “indevida e desproporcional”.
Segundo a AT, a Galp terá obtido uma mais-valia próxima de 920 milhões de euros com a venda da sua posição no consórcio, mas a empresa defende que o ganho efetivo não ultrapassa 26 milhões de euros. A petrolífera argumenta que não houve lucro real e, portanto, não há base legal para a tributação, tendo decidido recorrer à arbitragem internacional junto do Centro Internacional para Resolução de Disputas de Investimento (ICSID), ligado ao Banco Mundial.
Disputa sobre soberania fiscal
A Autoridade Tributária de Moçambique sustenta que a cobrança é legítima ao abrigo do regime fiscal petrolífero, que prevê a tributação das mais-valias em transações que envolvam a alienação direta ou indireta de ativos localizados no país.
A operação foi realizada através de uma subsidiária da Galp na Holanda, país sem acordo de dupla tributação com Moçambique, o que levanta suspeitas de planeamento fiscal agressivo.
“Esta é uma estratégia comum entre multinacionais para evitar pagar impostos nos países onde os ativos se encontram”, explicou Rui Mate, investigador do Centro de Integridade Pública (CIP).
Especialistas pedem transparência
Para a especialista em indústria extrativa Fátima Mimbire, o argumento da Galp é “insustentável”.
“É falacioso dizer que não há base legal para a cobrança. O imposto sobre mais-valias está previsto na lei moçambicana e aplica-se sempre que há transações entre concessionárias”, afirmou.
Mimbire defende que tanto o Estado como a Galp devem tornar públicos os cálculos e valores da operação, de modo a garantir transparência e confiança pública.
“Se uma das partes errou na aplicação da fórmula, isso ficará evidente. Mas o mais importante é que o processo seja transparente e acessível à sociedade”, acrescentou.
Estratégia de desgaste?
De acordo com analistas, o recurso da Galp à arbitragem internacional pode fazer parte de uma estratégia de desgaste, destinada a prolongar o litígio e pressionar Moçambique a aceitar um acordo menos oneroso.
“A arbitragem tem custos altos e pode durar anos. A Galp tem capacidade financeira para suportar esse processo, mas Moçambique enfrenta limitações orçamentais que o tornam vulnerável à pressão”, alertou Rui Mate.
O investigador sugere ainda que o governo moçambicano envolva diplomaticamente Portugal, país acionista da Galp, para evitar que o caso evolua para uma crise bilateral.
Já Mimbire é mais firme na sua posição:
“A empresa compradora das ações nem deveria ser autorizada a operar no projeto enquanto a questão não for resolvida.”
A Galp, por sua vez, recusou prestar declarações adicionais, afirmando apenas que “o processo de resolução do diferendo já foi iniciado em tribunal arbitral internacional”.
Este caso poderá tornar-se um marco na defesa da soberania fiscal de Moçambique, testando a capacidade do país de fazer valer a sua legislação perante grandes multinacionais do setor energético.

