Luanda — José Luís António Domingos, bastonário da Ordem dos Advogados de Angola (OAA) desde 2024, traça um balanço do seu mandato numa entrevista ao *Novo Jornal*, destacando os desafios enfrentados pela advocacia, as tensões institucionais com o Executivo e os riscos para o Estado de Direito em Angola.
“A justiça em Angola está ameaçada”
Para o bastonário, a falta de financiamento adequado à OAA, as dificuldades estruturais nos tribunais e a interferência política no sistema judicial comprometem seriamente o ideal de justiça. “Sem um poder verdadeiramente independente e eficiente, a justiça será sempre um sonho distante para os angolanos”, alerta, referindo que o país ainda vive um Estado de Direito “embrionário”.
Apesar dos obstáculos, José Luís Domingos defende que a sua liderança tem promovido importantes reformas na OAA. Entre as realizações destacam-se a modernização digital da Ordem, a formação contínua dos advogados, melhorias nas condições de trabalho e assistência jurídica gratuita, bem como o reforço da actuação da OAA no campo dos direitos humanos.
O portal digital da instituição e a nova cédula profissional são apontados como conquistas que aproximam a advocacia angolana dos padrões internacionais.
O bastonário critica o incumprimento da promessa feita em 2017 pelo Presidente João Lourenço, de que “ninguém é suficientemente rico que não possa ser punido, ninguém é pobre demais que não possa ser protegido”. Para Domingos, essa visão ainda não se concretizou na prática, devido à seletividade da justiça e à morosidade dos processos.
Além disso, denuncia a falta de vontade política na implementação das autarquias, cuja realização antes de 2027 considera improvável. “A constante postergação e os argumentos técnicos revelam resistência à descentralização”, afirma.
Questionado sobre acusações de ligações à UNITA e ao movimento cívico MUDEI, Domingos classifica as alegações como falsas e parte de uma campanha de desestabilização. “Nunca fui militante da UNITA nem integro qualquer movimento político. A minha lealdade é com a advocacia e com os princípios democráticos”, esclarece.
Segundo ele, há “mãos invisíveis” incomodadas com a sua actuação em defesa da dignidade da classe e do Estado de Direito. “Estamos atentos e determinados a resistir a qualquer tentativa de intimidação”, afirma, sem apontar nomes.
Combate à corrupção sem imparcialidade
O bastonário também expressa ceticismo quanto à eficácia do combate à corrupção, alegando que a falta de independência do sistema judicial mina os resultados. “A selectividade nas investigações e julgamentos continua a ser um problema sério.”
José Luís Domingos defende uma profunda reforma do sistema de justiça, com enfoque na autonomia financeira dos tribunais, rotação das lideranças dos tribunais superiores e despolitização das nomeações judiciais. “Quem governa hoje e impede a independência dos tribunais, poderá ser julgado amanhã por tribunais dependentes dos novos governantes”, adverte.
O bastonário apoia a criação de um Tribunal Eleitoral independente, uma das propostas da sociedade civil. Considera também necessária a revisão do modelo de governação, que actualmente dá ao partido vencedor o controlo absoluto do poder. “Precisamos de um sistema que permita a coabitação de várias forças políticas.”
Embora mantenha uma relação de “respeito firme” com as instituições judiciais, a OAA reagiu com preocupação à decisão que impediu o debate sobre o pacote eleitoral. “Foi uma decisão judicial preocupante, tomada com celeridade e sem fundamentos jurídicos sólidos, que fere o espaço democrático”, afirmou. Para o bastonário, há indícios de interferência política nesse processo.
Natural de Angola, José Luís Domingos é licenciado pela Universidade Católica de Angola, mestre e doutorando em Direito na Universidade Católica de Lisboa. Fundador da JLF – Advogados e docente universitário, dirige também o Centro de Investigação em Direito da UCAN. Foi eleito bastonário da OAA para o triénio 2024–2026.