Angola possui profissionais competentes no setor público. Técnicos do Tribunal de Contas têm desempenhado um papel crucial na identificação de irregularidades, apresentando relatórios minuciosos que revelam desvios, más práticas e má gestão dos recursos do Estado. Mas há um problema grave: nada acontece depois disso.
Apesar do esforço técnico para escrutinar as contas públicas, os relatórios acabam engavetados, sem que haja responsabilização por parte do Executivo ou da Procuradoria-Geral da República (PGR). A sensação geral é de que a impunidade se tornou norma — um mal crónico que persiste ao longo dos mandatos de João Lourenço, mesmo sob o discurso do “combate à corrupção”.
Entre 2020 e 2021, durante a gestão de Cláudio dos Santos como presidente do Conselho de Administração da Administração Geral Tributária (AGT), surgiram indícios de uso indevido de fundos públicos. O sucessor e actual PCA, Vieira Leiria, também figura entre os administradores envolvidos.
O centro da polémica gira em torno da Conta de Reembolso do IVA, criada para devolver valores a contribuintes e missões diplomáticas. Segundo os dados disponíveis, cerca de 25 mil milhões de kwanzas dessa conta foram colocados como depósitos a prazo — algo que a lei proíbe, pois trata-se de dinheiro do contribuinte que deve ser prontamente devolvido.
Desses valores, 8,4 mil milhões de kwanzas em juros gerados pelos depósitos foram transferidos para a Caixa de Previdência e Aposentação dos Trabalhadores Tributários (CPATT) — uma entidade privada, sem vínculo direto com o Orçamento Geral do Estado e, portanto, fora do escopo de fiscalização pública.
Essa transferência, além de ilegal, abre caminho para um sistema de gestão paralela de recursos públicos, frequentemente apelidado de “saco azul”. Trata-se de um esquema extra-orçamentário que permite a movimentação de dinheiro público sem controlo, sem transparência e sem auditoria externa.
Sob a justificativa de que os concursos públicos para obras e aquisições ficaram desertos, o Conselho de Administração da AGT decidiu — em acta — entregar essas tarefas diretamente à CPATT. Com isso, obras em infraestruturas e aquisições de equipamentos passaram a ser executadas fora do sistema legal de contratação pública.
Essa manobra fere a legalidade orçamental, dribla o escrutínio institucional e cria um ambiente propício para a corrupção, o clientelismo e o enriquecimento ilícito. Ainda mais preocupante é o facto de o atual PCA da AGT, Vieira Leiria, ter participado da decisão enquanto administrador, o que levanta questões sobre a continuidade de práticas abusivas.
Os técnicos do Tribunal de Contas consideram que Cláudio dos Santos deve devolver os 8,4 mil milhões de kwanzas ao Estado, dado o uso indevido desses fundos. Contudo, até agora, nenhuma medida foi tomada. Nem ele, nem os outros administradores envolvidos foram formalmente responsabilizados.
Este episódio é mais do que um caso isolado. Ele espelha um padrão institucional de complacência com a má gestão, onde há fiscalização, há provas, há conhecimento público — mas não há justiça, nem correção.
Quando recursos públicos são geridos de forma informal e sem prestação de contas, o Estado perde credibilidade, tanto internamente quanto perante investidores e organismos internacionais. Além disso, a confiança da população nas instituições é corroída, alimentando o descrédito e o cansaço social.
Os chamados “sacos azuis” não apenas abrem espaço para desvio de fundos; eles reforçam estruturas de poder paralelas, que operam fora da legalidade, escapando de qualquer tipo de fiscalização real. Isso perpetua um sistema de corrupção institucionalizada, dificulta reformas e bloqueia o desenvolvimento económico.
Angola precisa, urgentemente, de romper com essa lógica. Não basta identificar os problemas. É preciso agir com firmeza, responsabilizar os envolvidos e recuperar os recursos desviados. Enquanto isso não acontecer, a fiscalização será apenas decorativa e a impunidade continuará sendo o maior obstáculo à justiça social e ao progresso nacional.