Depois de meses de expectativas, adiamentos e dificuldades processuais, o megajulgamento que envolve dois dos mais influentes generais do regime angolano anterior finalmente avança. O Tribunal Supremo deu início à fase de produção de provas no caso que tem como réus os generais Leopoldino Fragoso do Nascimento, conhecido como “Dino”, e Manuel Hélder Vieira Dias Júnior, o “Kopelipa”.
Estes nomes são amplamente conhecidos por seu papel de destaque durante os anos de liderança de José Eduardo dos Santos. Agora, estão no banco dos réus, enfrentando acusações de envolvimento em esquemas milionários de desvio de fundos públicos, com forte ligação a acordos opacos entre Angola e a China, celebrados no período pós-guerra.
Além dos generais, o processo envolve executivos de alto escalão e três empresas: Utter Right International, Plansmart International e o polêmico Fundo Internacional China-Angola (CIF). Este último é apontado como peça central de um esquema que, sob a bandeira da reconstrução nacional, teria facilitado o desvio de grandes quantias dos cofres do Estado, com o conhecimento e colaboração de figuras institucionais.
O advogado Benja Satula, representante legal das empresas Utter Right e Plansmart, confirmou que a audiência iniciou com a identificação dos réus e a inquirição do primeiro acusado, marcando o início efetivo da fase probatória.
Segundo especialistas, este julgamento pode revelar muito mais do que crimes econômicos. Acredita-se que ele possa expor os meandros obscuros da cooperação financeira entre Angola e a China — um acordo bilionário que usava petróleo como garantia para obras de infraestrutura, mas que, segundo várias análises, teria servido como porta de entrada para corrupção institucionalizada.
O jurista Rui Verde, atento ao processo, alerta que o conteúdo do caso é altamente político. “Estamos diante de um julgamento que ultrapassa os limites do direito penal comum. Envolve relações diplomáticas, interesses transnacionais e figuras que até então eram consideradas intocáveis”, comenta.
Para Verde, a Justiça angolana enfrenta um de seus maiores desafios. “O sistema judicial não foi desenhado para lidar com barões do poder. É um confronto direto entre o legal e o político”, reforça.
Apesar do avanço nas audiências, paira no ar o ceticismo. Angola já teve algumas condenações marcantes, como nos casos de Pedro Lussati e Manuel Rabelais. Contudo, este processo é inédito por atingir figuras do círculo mais próximo do antigo presidente e por tocar em acordos financeiros estratégicos com a China.
“É possível que este processo se estenda por anos ou acabe se dissolvendo aos poucos, como tantos outros”, opina Verde.
Do lado da defesa, o tom é de expectativa cautelosa. “Esperamos que o julgamento seja imparcial e que todos os réus, independentemente de seu passado ou cargo, sejam tratados com a mesma dignidade”, afirmou Benja Satula.
No fim das contas, o caso Dino & Kopelipa será mais do que um julgamento criminal: será um espelho da maturidade e independência da justiça angolana no pós-dos Santos.