A recente proposta do Governo moçambicano de utilizar recursos do Fundo Soberano para financiar projetos sociais, incluindo a construção de escolas, causou forte indignação entre membros da sociedade civil. Para o Movimento Cívico sobre o Fundo Soberano, a medida representa um desvio ilegal da aplicação dos recursos e uma violação explícita da legislação vigente.
De acordo com informações divulgadas pela Forbes África Lusófona, o Plano Económico e Social e Orçamento do Estado (PESOE) prevê a execução de 15 projetos com financiamento direto do Fundo Soberano, sendo 12 deles voltados para a área da educação. A proposta, em análise no Parlamento, foi recebida com preocupação por organizações da sociedade civil, que alegam que tais investimentos deveriam ser cobertos pelo Orçamento Geral do Estado — e não pelo fundo reservado para investimentos estratégicos de longo prazo.
Fátima Mimbire, coordenadora do Movimento Cívico sobre o Fundo Soberano, foi categórica em sua avaliação: “Trata-se de uma violação grosseira da lei”. Em entrevista à DW África, ela defendeu que o Tribunal Administrativo intervenha e responsabilize os envolvidos.
Segundo Mimbire, o problema está na concepção legal do próprio fundo. Ela afirma que Moçambique não precisava exatamente de uma lei do Fundo Soberano, mas sim de uma legislação ampla para gestão das receitas de recursos naturais — especialmente do gás. A forma como os recursos estão sendo repartidos, conforme alerta, abre margem para abusos e desvios.
A coordenadora denuncia que o governo, ao misturar o conceito do fundo com o uso direto das receitas do gás, criou uma distorção grave: “As receitas do gás é que devem ser repartidas entre o orçamento e o Fundo Soberano — não o contrário”. Segundo ela, o texto atual do PESOE trata como se fosse o próprio fundo a ser dividido, o que representa um erro técnico e legal.
Mimbire também alerta para riscos políticos no uso indevido desses recursos. Na sua avaliação, a alocação pode ser manipulada para alimentar redes de clientelismo, cumprir promessas eleitorais ou até mesmo servir para pagamento de dívidas — o que é explicitamente proibido pela lei.
“O governo quer desviar o foco do fundo, destinado a investimentos estruturantes em áreas como agricultura, indústria, infraestrutura e energia renovável”, ressalta. “Agora querem aplicar os recursos em fábricas de ração ou kits de autoemprego, o que destoa completamente do propósito do Fundo Soberano”.
Para Fátima Mimbire, a raiz do problema é a própria lei que criou o fundo. Ela defende uma revisão completa — ou até mesmo a revogação do modelo atual. O principal argumento é que, ao basear-se em projeções inflacionadas e decisões políticas frágeis, o fundo corre o risco de nunca acumular recursos de fato, tornando-se um “Fundo Soberano sem fundo”.
O receio é de que, com previsões de receitas superestimadas, o governo destine mais dinheiro ao orçamento imediato e menos ao fundo — comprometendo o futuro do país e sua capacidade de investir estrategicamente.
No centro da crítica está uma constatação dura: “O povo continua a não ser prioridade”, conclui Mimbire. Para o Movimento Cívico, o uso correto e transparente dos recursos provenientes do gás natural é essencial para garantir que Moçambique avance de forma sustentável — e não repita os erros do passado.