A relação entre os sucessivos governos angolanos e o setor agrícola sempre foi, no mínimo, conflituosa. Mesmo durante os anos de guerra, defendi repetidamente que a estagnação da agricultura não era apenas consequência direta do conflito armado, mas sobretudo resultado de decisões políticas que negligenciaram o campo e os camponeses. Esse abandono criou o ambiente perfeito para que a guerrilha ganhasse terreno — uma consequência lógica quando o Estado deixa de cuidar dos seus.
Para ilustrar essa tese, recorro à história: durante o período colonial, o governo português promoveu projetos de extensão rural com o objetivo de travar a expansão da luta armada. Mesmo com intenções políticas claras, tais projetos produziram resultados visíveis a curto prazo. Hoje, no entanto, Angola parece repetir os erros do passado, sem sequer colher benefícios temporários.
A ideia de importar modelos de sucesso estrangeiros, como o agronegócio brasileiro ou grandes plantações de países africanos, esbarra numa realidade dura: falta-nos um empresariado robusto, ambiente favorável a investimentos e instituições sólidas capazes de liderar processos complexos. A solução está, por isso, na agricultura familiar — não apenas como estratégia económica, mas como projeto de inclusão social e de coesão nacional.
Desde os anos 60, a média de terra disponível para a agricultura familiar caiu drasticamente. Segundo dados da Missão de Inquéritos Agrícolas de Angola, passou de 8,9 hectares para apenas 3,9 hectares — número que desceu ainda mais, para 2,34 hectares, de acordo com o Recenseamento Agropecuário e de Pescas de 2022. Isso significa que quase toda a terra disponível é utilizada anualmente, sem tempo para repouso (pousio), o que compromete a fertilidade e torna a produção insustentável a longo prazo.
Pior ainda, a maioria dos adubos utilizados é orgânica e escassa. O consumo nacional de fertilizantes por habitante é inferior a 3 quilos, muito abaixo da média africana (8 kg) e mundial (62 kg), segundo a FAO. Essa fragilidade empurra a agricultura familiar para o colapso progressivo.
O Ministério da Agricultura admite uma carência de 8 mil técnicos, mas o plano 2023-2027 prevê apenas a contratação de 2 mil. Os salários baixos e a precariedade das condições afastam os jovens formados, que preferem dar aulas ou buscar outras oportunidades.
É urgente descentralizar e desconcentrar os serviços, melhorar a coordenação entre ministérios, modernizar métodos de trabalho e combater a corrupção.
O país precisa valorizar tanto o conhecimento científico quanto os saberes tradicionais. É essencial investir em centros de pesquisa e extensão rural que apoiem os agricultores com soluções adaptadas à realidade nacional.
Embora se fale muito em mecanização com tratores, essa é uma promessa distante. Faltam recursos, organização e capacidade logística. Soluções mais viáveis incluem o uso de tração animal e tecnologias de baixo custo, como as usadas em várias regiões da Ásia.
Angola nunca cumpriu os compromissos de Maputo e Malabo, que exigem 10% do orçamento nacional para a agricultura. Nos últimos 20 anos, a média tem sido inferior a 2%. Com recursos externos escassos, é hora de priorizar os meios internos.
Se o rumo não mudar, Angola enfrentará tempos ainda mais difíceis. O campo está à beira do colapso, e isso terá implicações sociais e económicas graves para o país.
Recentemente, foi exibido em Luanda o documentário *”Mário”*, sobre Mário Pinto de Andrade. Apesar da importância do filme, nenhum dirigente do MPLA esteve presente. Uma ausência simbólica que reforça a incapacidade de o partido se reconciliar com sua própria história e com o povo que diz representar.