Em 2024, os serviços de saúde em Portugal detectaram 254 casos de mutilação genital feminina (MGF), marcando um aumento de 31 casos em relação ao ano anterior. Este dado reflete a continuidade de uma tendência que tem se intensificado desde 2020, evidenciando a crescente conscientização dos profissionais de saúde sobre a questão.
Lusa
A Direção-Geral da Saúde (DGS) revelou que, ao longo do último ano, houve um incremento de 13,9% nos casos registados de MGF em comparação com 2023. Essa subida acompanha um padrão observado desde 2020, quando foram detectados 99 casos. Em 2021, o número subiu para 138, em 2022 para 190 e em 2023 para 223. Este aumento progressivo reflete não apenas a gravidade do problema, mas também a melhoria na identificação e registo dessas situações por parte dos serviços de saúde.
No entanto, é importante ressaltar que nenhum dos casos de mutilação genital feminina foi realizado dentro de Portugal. As práticas de MGF identificadas ocorreram principalmente em países como a Guiné-Bissau, responsável por 65,4% dos registros, e a Guiné Conacri, com 26,4% dos casos. Outros países com incidências menores incluem Gâmbia, Senegal, Nigéria, Gana, Egito e Costa do Marfim.
A maioria das mulheres afetadas pela MGF quando os casos foram detectados tinha mais de 18 anos (98,4%). Contudo, a média de idade em que essas mutilações ocorreram é alarmantemente baixa: 7,7 anos. Em muitos casos, o procedimento foi realizado ainda na infância, com aproximadamente 70% das mutilações acontecendo até os 9 anos de idade.
A detecção desses casos ocorre predominantemente durante o acompanhamento de gravidez, com 30,9% dos casos sendo identificados no parto. Outros casos foram encontrados no pós-parto (17,7%), durante consultas de vigilância (11,8%), ou ainda em cuidados hospitalares (15,7%) e de saúde primários (15,7%).
Em relação à gravidade das mutilações, mais da metade (55,1%) dos casos identificados corresponde ao tipo I, que envolve a remoção parcial ou total do clítoris. Aproximadamente 41% envolvem o tipo II, que implica a remoção do clítoris e dos pequenos lábios, com ou sem excisão dos grandes lábios. Casos ainda mais graves, classificados como tipo III, foram também identificados, representando a forma mais severa da prática, em que ocorre o estreitamento do orifício vaginal, com ou sem excisão do clítoris.
Em 2024, cerca de 130 mulheres (51,2% dos casos) apresentaram complicações de saúde como resultado da MGF. As complicações variaram entre questões psicológicas, obstétricas, de resposta sexual e sequelas uroginecológicas. Esses efeitos adversos demonstram as graves consequências da prática, que se estendem para além do corpo físico, afetando também o bem-estar psicológico das vítimas.
A maioria dos registros foi realizada em unidades hospitalares (73,6%), com uma concentração maior nas regiões de Lisboa e Vale do Tejo, devido à significativa presença de mulheres migrantes provenientes de países onde a MGF é praticada. O Hospital Prof. Dr. Fernando Fonseca, na Amadora, registou 26,8% dos casos, seguido pelo Centro Hospitalar de Lisboa Central, atualmente conhecido como Unidade Local de Saúde de São José.
Em um momento de reflexão, especialmente no Dia Internacional da Tolerância Zero à Mutilação Genital Feminina, é crucial reforçar a importância do trabalho contínuo dos profissionais de saúde para identificar e combater essa prática, garantindo que todas as vítimas recebam o cuidado adequado e que medidas sejam tomadas para erradicar essa grave violação dos direitos humanos.