Nos últimos tempos, a costa portuguesa tem sido um ponto de discussão internacional, especialmente quando se fala da presença de navios russos na Zona Económica Exclusiva (ZEE) do país. Com as crescentes tensões geopolíticas, particularmente a guerra na Ucrânia, a NATO e as autoridades portuguesas têm manifestado preocupações sobre a segurança das infraestruturas críticas que atravessam essas águas. A Rússia, como se tem visto, mantém uma vigilância atenta, e os especialistas divergem sobre a real importância estratégica dessa região para Moscovo.
Em um cenário de crescente interdependência global, a infraestrutura digital tem um papel crucial. A costa portuguesa, particularmente a sua ZEE, abriga uma parte significativa dos cabos submarinos que facilitam as comunicações globais. Estes cabos submarinos são essenciais para mais de 90% das telecomunicações e da internet mundial. Estima-se que cerca de 10% a 15% das comunicações globais passem por esta zona, o que coloca Portugal, indiretamente, no radar de várias potências internacionais, incluindo a Rússia. Além disso, o país já abriga, ou em breve abrigará, 14 cabos submarinos, sendo um dos maiores do mundo.
O secretário-geral da NATO, Mark Rutte, alertou recentemente que as infraestruturas críticas localizadas em Portugal, como esses cabos, são alvo de interesse por parte da Rússia. Durante uma visita a Portugal, Rutte afirmou que a costa portuguesa está “na mira” da Rússia devido ao seu papel vital nas telecomunicações globais. Esse alerta, no entanto, gerou uma série de reações, com diferentes especialistas questionando o grau de relevância real que a costa portuguesa tem para os russos.
Embora Mark Rutte tenha levantado a questão da segurança das infraestruturas submarinas, especialistas em segurança e defesa têm opiniões contrastantes sobre a importância estratégica da costa portuguesa para a Rússia. O major-general Agostinho Costa, por exemplo, minimiza a relevância da costa portuguesa para Moscovo. Para ele, a presença de navios russos na região não é motivo de alarme, considerando que, no contexto geopolítico global, a costa portuguesa tem um interesse comparável ao do Golfo da Biscaia, entre Espanha e França. Em sua análise, a Rússia tem maior interesse em controlar estreitos estratégicos, como o Estreito de Gibraltar, e não em monitorar cabos submarinos.
Costa também aponta que, historicamente, as rotas marítimas e os cabos submarinos não foram os principais focos de disputas no âmbito da segurança marítima, e que o controle de estreitos chave, como o Canal da Mancha, teria muito mais relevância para a estratégia russa. Na visão do especialista, a presença de navios de pesquisa russos ao longo da costa portuguesa seria mais uma questão de circunstância do que uma ameaça real. Para ele, a narrativa de uma potencial ameaça russa a essas infraestruturas não se sustenta, visto que muitos incidentes com cabos submarinos ao longo dos anos têm origem em acidentes causados por âncoras de embarcações, e não por sabotagens deliberadas.
Apesar das opiniões divergentes, é inegável que a questão da segurança das infraestruturas submarinas é cada vez mais relevante, especialmente após incidentes como a sabotagem dos gasodutos Nord Stream no Mar Báltico. O vice-presidente do Conselho de Segurança da Federação Russa, Dmitry Medvedev, fez recentemente ameaças claras sobre a possibilidade de destruir cabos de comunicação do Ocidente, caso houvesse evidências de cumplicidade na sabotagem de infraestruturas russas. Isso levanta uma questão importante sobre a vulnerabilidade das redes de telecomunicação que conectam o Ocidente, com destaque para os cabos que atravessam a costa portuguesa.
O comandante João Fonseca Ribeiro, do Observatório de Defesa e Segurança da SEDES, lembra que navios de pesquisa e de investigação russos podem ser usados não apenas para monitorar essas infraestruturas, mas também para danificá-las de forma estratégica. Embora as intenções não sejam sempre claras, a presença desses navios na ZEE portuguesa tem gerado alertas sobre a necessidade de reforçar a segurança e monitoramento das redes críticas.
Em resposta à crescente preocupação com a segurança marítima, a NATO tem adotado uma postura vigilante. A recente apreensão de um navio russo suspeito de sabotar cabos submarinos no Mar Báltico reflete a seriedade da questão. O aumento das tensões e as ameaças à integridade das infraestruturas submarinas podem desencadear uma corrida por mais vigilância e proteção dessas redes vitais.
Mark Rutte, em sua visita a Portugal, reforçou a necessidade de adaptação da NATO aos novos desafios de segurança, defendendo um aumento nos investimentos em defesa. Ele alertou que a ameaça russa, embora possa parecer distante para alguns, é real e precisa ser tratada com seriedade.
Portugal, com sua extensa costa e posição estratégica no Atlântico, continua sendo um ponto crucial para as comunicações globais. No entanto, a realidade é que, embora a costa portuguesa tenha uma importância significativa para as telecomunicações, sua relevância estratégica para a Rússia parece ser mais limitada quando comparada a outras áreas, como o controle de estreitos marítimos vitais. Ainda assim, a crescente presença de navios russos e as ameaças à segurança das infraestruturas submarinas não podem ser ignoradas, exigindo uma postura vigilante e adaptável por parte das autoridades portuguesas e da NATO.
A segurança das redes de telecomunicação globais, especialmente no contexto de tensões geopolíticas, é um desafio que vai além das fronteiras nacionais, exigindo uma resposta coordenada e eficaz para garantir que a comunicação mundial não seja comprometida por ações externas.