A importação de produtos é frequentemente vista como uma solução de curto prazo para a demanda local, mas em Angola, esse processo tem sido dominado por estrangeiros que, muitas vezes, não investem na produção nacional. Essa dependência externa está a corroer a cadeia de produção local e, segundo Fernando Ferreira, Presidente do Conselho de Administração (PCA) do Grupo FF, é uma ameaça ao desenvolvimento sustentável da economia angolana.
Como empresário com vasta experiência nos setores da agricultura, produção de sal e imobiliário, Ferreira acredita que é necessário uma mudança profunda no paradigma agrícola do país. Para ele, a solução passa por aumentar o investimento no setor, e defende que a quota do Orçamento Geral do Estado (OGE) destinada à agricultura deveria subir dos atuais 2% para 10%, em linha com a recomendação da Declaração de Malabo. Esse aumento, afirma, poderia reduzir significativamente a fome, o desemprego e a falência de empresas, que são problemas interligados e responsáveis pela crescente insegurança alimentar no país.
A Fome em Angola: Onde Reside o Problema?
De acordo com o Relatório Mundial sobre a Crise Alimentar, mais de 1,3 milhão de pessoas em Angola enfrentaram insegurança alimentar aguda em 2023. Ferreira destaca que a fome e a pobreza que assolam o país são sintomas de problemas mais profundos, que incluem desemprego e falências. Esses fatores criam um ciclo vicioso que afeta negativamente a economia, agravando ainda mais a insegurança alimentar.
Para quebrar esse ciclo, Ferreira sugere a criação de políticas que promovam o emprego, apoiem empresas locais e fortaleçam a resiliência econômica das comunidades através de investimentos e capacitação profissional. Ele alerta que, sem mudanças no paradigma econômico atual, o aumento da pobreza será inevitável nos próximos anos.
O Papel da Biotecnologia e das Sementes Geneticamente Modificadas
Um ponto chave na visão de Ferreira é a necessidade de modernizar a agricultura angolana, utilizando técnicas avançadas como a biotecnologia. Ele argumenta que o uso de sementes geneticamente modificadas pode aumentar a produtividade, melhorar a resistência das culturas a pragas e reduzir os custos de produção, contribuindo assim para a segurança alimentar a longo prazo.
Embora o governo tenha dado um passo positivo ao criar o Comitê de Sementes Geneticamente Modificadas, Ferreira critica o atraso na implementação dessas medidas. Ele acredita que a regulamentação adequada e a responsabilidade no uso dessas tecnologias podem trazer grandes benefícios ao setor agrícola e à sustentabilidade do país.
Angola: Um Potencial Gigante Agrícola Ainda Não Realizado
Angola possui vastos recursos naturais, incluindo mais de 35 milhões de hectares de terras aráveis e grandes reservas de água. No entanto, o país ainda importa mais da metade dos alimentos que consome. Ferreira atribui essa dependência à falta de investimento adequado em infraestruturas agrícolas, baixa produtividade e desafios como o acesso a insumos e tecnologia. Ele acredita que, com o investimento certo e políticas agrícolas eficazes, Angola pode recuperar seu status de potência agrícola no continente africano.
O governo angolano, em parceria com o International Finance Corporation (IFC), está a implementar um projeto de seguro agrícola. Para Ferreira, essa é uma iniciativa positiva, já que o seguro pode mitigar os riscos enfrentados pelos agricultores, promover a estabilidade financeira e incentivar mais investimentos no setor.
OGE e a Agricultura: Desafios de Financiamento
Atualmente, o setor agrícola recebe menos de 2% do Orçamento Geral do Estado, um valor muito inferior à recomendação de 10% estipulada pela Declaração de Malabo. Ferreira enfatiza que sem um aumento substancial de investimento, será difícil desenvolver uma agricultura robusta e sustentável. O fracasso de iniciativas como o PRODESI e o PLANAPECUÁRIA, segundo ele, está diretamente relacionado à falta de uma mudança significativa no paradigma econômico.
Outro ponto relevante é o alto custo de produção de carne e peixe em Angola, o que os torna inacessíveis para grande parte da população. Ferreira sugere que os criadores de peixes e gado enfrentam dificuldades em acelerar a produção devido à falta de acesso a locais de produção eficientes e ao alto custo de insumos. Ele defende uma abordagem mais pragmática, com menos burocracia e o uso de instrumentos financeiros mais acessíveis para fomentar a produção de proteínas a preços mais baixos.
Para Fernando Ferreira, o futuro da prosperidade económica de Angola depende da capacidade do país de investir em sua própria produção. O aumento do financiamento ao setor agrícola, a modernização das técnicas de cultivo e a capacitação da mão-de-obra são passos essenciais para reduzir a dependência das importações e promover a segurança alimentar. Ao fortalecer o empresariado nacional e criar políticas eficazes, Angola poderá romper o ciclo de pobreza e insegurança alimentar, tornando-se, finalmente, uma potência agrícola em África.