Como fazer entender ao Paquito que estava casado com uma “Dalila”? Como lhe dizer que estava numa enrascada, numa relação tóxica? Os amigos olhavam para o companheiro sem saber por onde começar a conversa.
Artigo de opinião de Guida Osvalda
Existem amigos mais chegados que irmãos. É bíblico. Amigos que se preocupam de facto com o bem-estar do outro amigo. Amigos de toda hora e momento. Esta era a relação que existia entre Mingo, Luisito, Gegê, Joca, Simonal e o Paquito. De modo que quando Paquito apresentou a moça, Cervelina, o espírito dos amigos não bateu com o dela. Alguma coisa não encaixava na forma de ser daquela miúda: era bonita e sempre com um sorriso. O sorriso não era genuíno. Os cinco amigos, com quem Paquito cresceu, sentiam uma certa hostilidade no ar sempre que a moça se aproximava. Parecia ser uma miúda que gostava de intrigas, dinheiro e com ar de grandeza quando nem sequer conseguia ter uma refeição adequada por dia.
Mingo, Luisito, Gegê, Joca e Simonal, na primeira oportunidade, avisaram Paquito, oficial da Polícia, para manter uma relação cuidadosa, sem mergulhar em águas profundas, que tivesse encontros sem compromisso, pois a moça era uma autêntica armadilha.
Ela nasceu e cresceu na rua da Dona Amália, no Rangel, aliás, eles já tinham feito uma investigação prévia sobre a vida da miúda e o próprio Paquito devia saber que quando se pretende uma rapariga deve ser feito um bom inquérito antes de se ambicionar dar o passo para um compromisso sério. Mesmo no início da dita relação os amigos mais próximos que irmãos avisaram: “Cuidado! Essa miúda tem os olhos muito acesos! É uma pequena que conhece todos os truques da vida”.
Os cinco amigos, assim como Paquito, nasceram e cresceram juntos na Terra Nova. Eram tão amigos que os desconhecidos pensavam que existiam laços de consanguinidade entre eles. A mãe de um era mãe do outro e frequentavam a casa de cada um como se fossem mesmo irmãos de pai e mãe e tratavam as respectivas mães e pais por mamã sicrana e papá fulano.
Todos os amigos quando foram atingidos pela flecha do cupido pediram a opinião dos contemporâneos e as namoradas, agora esposas, passaram pelo crivo dos kambas e das famílias. No entanto Paquito já estava com 34 anos de idade e não conseguia ter nenhuma namorada fixa por mais de seis meses. Miúdas formadas, apresentáveis e muito bem-educadas, mas antes de quatro ou cinco meses, filhas alheias sem saberem por quê eram dispensadas. O namoro acabava por motivos infantis, banais. A própria tia Josefa, mãe do Paquito, já tinha reunido com os amigos para saber qual era o problema. Namorava tantas moças, mas não situava nenhuma: será que o rapaz tinha algum problema no coiso e não conseguia fazer nada? Ou era só mesmo mau costume? A senhora estava apreensiva! Os amigos já estavam casados e os filhos até já estavam em idade escolar.
Até que se apaixonou!
-Essa namorada que o Paquito arranjou, sinceramente, é um desastre. Definitivamente não tem nada a ver com ele! Muito mal-educada! – Resmungavam os amigos. No início do namoro Cervelina determinou que Paquito deixasse de dar confiança aos amigos, pois no futuro não queria a casa mal frequentada. Não queria estar cercada de gentalha! Contrariando as expectativas dos amigos, Paquito decidiu ter uma relação séria com a moça.
No “bate porta”, quando ele, acompanhado pelos pais, tios e amigos, foi pedir a mão da namorada à família, um tio de Cervelina recebeu-os com uma atitude ameaçadora, começando por dizer que aquela família era muito séria, que não admitia abusos e que se fosse o caso os genros levavam no focinho. A comitiva foi tão mal recebida que enfureceu o pai de Paquito, mas o dito noivo dizia: – Deixa só assim… isso está sob controlo.
Depois das apresentações e da conversa preliminar, o tio afirmou que as coisas levadas para o “bate porta” não eram suficientes. Os tios e os amigos de Paquito exaltaram-se.
Oito caixas de cerveja e oito de refrigerantes, um garrafão de vinho, cinco garrafas de bebidas espirituosas e 500 dólares não eram suficientes? A tia Josefa não gostou muito do rumo da conversa, mas pediu calma e apoiou o filho.
O pai de Paquito sabia que o papel dos tios, em algumas culturas africanas, chega a ser mais importante do que o do pai, no entanto aquele tio estava a passar dos limites.
Os amigos de Paquito agitaram para ele não ceder à chantagem do tio de Cervelina. No entanto, o pretendente prontamente acrescentou mais 100 mil kwanzas como multa, porque, segundo o lado da noiva, os bens não eram suficientes. Os amigos de Paquito ficaram chateados por ele ser tão frouxo, quando ele devia ser mais exigente por ser polícia.
Os kambas saíram do encontro contrariados e “cortaram água e luz” ao amigo. Tempos depois souberam, por intermédio da mãe de Paquito, que na semana seguinte ao “bate porta” a moça desapareceu por três meses sem dar cavaco ao noivo. Os companheiros levantaram-se contra ele. Estava cego?Enfeitiçado? Ou era mesmo só amor? Como é que ela viaja e não informa ao prometido? Foi tratar de quê? Mas que amor é esse que não ouve deixa?
Faltava uma semana para o casamento quando os amigos se aperceberam que Paquito tinha tudo preparado para cumprir com a lista quilométrica do alambamento.
Eles não entenderam como é que a preparação do alambamento, um acontecimento tão importante, foi feita de forma tão sigilosa. Os camaradas pensaram em não ir, mas mudaram de ideia. Tinham que estar com o amigo, mesmo não concordando com ele. A cerimónia do alambamento que estava prevista para às 14h teve início às 16h e todos tiveram de esperar na rua, debaixo do sol, com as coisas entulhadas no carro e um bode grande aos berros.
Constava da lista, para além do animal, mil dólares americanos na carta, um anel de noivado de ouro com uma pedra zircônia, 20 grades de cerveja estrangeira, 20 de refrigerantes, 20 caixas de sumo, duas garrafas de whisky Chivas Regal de 21 anos e duas de Johnny Walker, duas de martini, duas de champanhe, duas de amarula, duas de vinho do porto, duas de conhaque, cinco litros de maruvu acompanhado pela cola, duas caixas de 24 chocolates cada, duas embalagens de sambapito, quatro peças de pano waxhollande, quatro lenços de cabeça, quatro saiotes, quatro quimonos, quatro pares de sandálias números 38, 39, 40 e 42, um fato completo para a mãe tamanho 42, sandálias número 40, um fato completo para o pai tamanho 48 e sapatos 42, camisa branca, colete, cinto, meias e camisola interior, um cobertor, três barras de sabão, tabaco nacional (3 tranças) e duas grosas de fósforo.
Para a família de Paquito aquilo era uma extorsão e não um alambamento. Ainda assim, o rapaz cumpriu com o desejo da família da noiva que teve o desplante de estender panos no chão sob pretexto deles terem chegado tarde. Paquito também pagou o táxi que, ficticiamente, havia de ir buscar a noiva e fazer parte da brincadeira para descobrir quem era a pretendida que estava escondida entre duas dezenas de primas e amigas, cobertas por panos. Sempre que falhava pagava uma multa de 500 kwanzas. O rapaz falhou sete vezes para o desespero dos amigos.
Paquito casou-se no dia seguinte com pompa, nas cerimónias civil e religiosa. Os amigos estavam intrigados e entre si questionavam-se: “Mas esse wy bateu uma ficha?”,”A jogada no Bet deu certo ou recebeu doação?”,”Herança não pode porque o velho dele ainda está vivo. Então o cumbu saiu de onde para o casamento e arrendar uma casa no Marçal?” Descobriram tempos depois que Paquito fez um crédito no banco e estava endividado com as kínguilas agiotas até à raiz do cabelo.
Por muito tempo, os amigos mantiveram contacto com Paquito só por telefone para evitar contacto com Cervelina.
– Parente não fatiga parente – diziam.- Vamos só já lhe aturar.
Cervelina teve a primeira filha e era a cara chapada de Paquito. “Menos mal”, pensaram os comparsas aliviados. “Pelo menos está a dar conta do recado”.
Aperceberam-se, no ano seguinte, que Cervelina tinha conseguido um emprego numa agência bancária e abandonado o lar logo depois sob pretexto de que o Marçal não era um bairro para gente do nível dela. As conexões que tinham no Rangel passaram a informação de que ela estava num apartamento nas imediações do Zé Pirão, nas Ingombotas, imóvel arrendado por um amigo. “Desta vez Paquito remove os ciscos que tem nos olhos”, pensaram os amigos com júbilo.
Nunca mais! Paquito esforçou-se e conseguiu um apartamento no Kilamba, mas Cervelina disse que só regressava quando o apartamento estivesse completamente apetrechado. O senhorzinho assim fez e quando ela regressou estava grávida de três meses. “Como?”, questionavam-se os camaradas. “Estavam separados há mais de seis meses! Ele nem tem dúvidas quanto à gestação?”
A criança nasceu e não tinha nada a ver nem com Paquito e nem com a mãe.
– É parecida comigo, somos igualitos – justificava o oficial. As informações continuavam a chegar aos amigos: “Ah porque a mboa foi trançar o cabelo no Kikolo e ficou por lá dois dias!”,”Foi à festa de noivado de um familiar e permaneceu na boda uma semana”, “Foi às compras e lá permaneceu o dia todo!”,”A roupa da família, refeições e arrumação da casa, é o Paquito quem cuida quando a empregada falta”.
Fartos de receber tantos recados, os amigos convidaram-no para um encontro, num domingo, para abrir os olhos do companheiro, explicar que no casamento existe hierarquia, pai, mãe e filhos e cada um com a sua função!
No dia da reunião, marcada em um restaurante, Paquito chegou atrasado porque a esposa teve que regressar ao salão de cabeleireiro onde esteve na sexta-feira, todo sábado e na manhã de domingo, deixando a lida da casa e a preparação das refeições sob a responsabilidade do próprio marido
Como fazer entender ao Paquito que estava casado com uma “Dalila”? Como lhe dizer que estava numa enrascada, numa relação tóxica? Os amigos olhavam para o companheiro sem saber por onde começar a conversa.