A Força Sindical União Nacional dos Trabalhadores de Angola, Confederação Sindical e a Central Geral de Sindicatos Independentes e Livres de Angola convocaram a greve-geral de três dias, exigindo o aumento do salário da função pública e do salário mínimo nacional e a redução do imposto sobre o rendimento do trabalho para 15%.
Fonte: RFI
Ademar Ginguba, porta-voz do Sinprof membro da comissão técnica das três centrais sindicais, afirma que as reivindicações que estão a ser feitas ao Governo são para permitir a sobrevivência dos trabalhadores angolanos.
Três centrais sindicais iniciaram um movimento de greve geral de três dias. Quais são as vossas reivindicações?
Estamos a pedir um reajuste salarial ao nível da função pública, há também a questão dos subsídios que visam incentivar os nossos colegas que trabalham em zonas recônditas, zonas de difícil acesso, que têm salários idênticos aos colegas que estão nos principais centros urbanos.Temos a questão do imposto do Rendimento de Trabalho- a maneira como foi alterado em 2019 retira-nos parte dos nossos rendimentos- estamos a discutir com o Governo, já há algum tempo, a sua redução. Depois existe a questão do salário mínimo nacional, aquele que é pago pelas empresas, no valor de 32 mil kwanzas. Actualmente, podemos dizer que são cerca de 30 euros, fazendo a comparação como euro. Nós estávamos a exigir inicialmente 300 €, porque o custo de vida é muito alto e os nossos salários empobrecem todos os dias.
Como é que se consegue viver com 36 euros?
Não se vive. Nós sobrevivemos todos os dias. O que estamos a discutir com o Governo é mesmo só para a nossa sobrevivência, porque estamos num país que importa quase tudo o que consome, apesar de ter condições para ter uma produção interna robusta. Parece que os nossos governantes andam mais interessados com outras coisas. Andam distraídos com os petrodólares e até aqui nada tem sido feito para aumentar a nossa produção interna.
Iniciaram ontem uma greve-geral que se vai manter até amanhã, sexta feira. Qual é que é o impacto desta greve?
Uma adesão massiva, estamos a viver um momento histórico no país. Com esta greve os trabalhadores mostram que estão cansadas com a condição sócio-económica a que estão submetidas, porque não há soluções. O Governo não tem soluções para resolver os nossos problemas.
Qual é o impacto desta greve nas escolas e nos hospitais?
O impacto é devastador. No sector da educação, estamos numa semana de provas que foram suspensas. Isso tem impacto depois no calendário nacional escolar que terá de ser reajustado. Nos hospitais temos apenas os serviços mínimos, a força de trabalho foi reduzida até 50%. Nós já temos aquelas enchentes habituais nos nossos hospitais e agora que [a força de trabalho] foi reduzida a 50%, quer para os médicos quer para os enfermeiros, “é o Deus nos acuda”.
Os sindicatos denunciaram funcionários públicos coagidos e detenções arbitrárias. O que é que nos pode falar desta situação
Não foi apenas na administração pública, essa situação também aconteceu nas empresas. Estamos a ver documentos que estão a ser expedidos pelas direcções das empresas para coagir e ameaçar os trabalhadores. Ontem, quarta-feira, registámos a detenção, na província do Bengo, de um colega no Hospital Geral do Bengo que acabou por ser posto em liberdade. Mas temos três colegas, dois do sector eléctrico e um professor, que se encontram no Tribunal do Huambo e cuja situação continua por esclarecer. Passaram a noite na cadeia e o único crime que cometeram foi o de exercer um direito fundamental que é o direito à greve.
Esses sindicalistas vão ser julgados?
Exactamente. Eles vão ser julgados sumariamente, depois de terem passado a noite na cadeia, sob custódia do Serviço de Investigação Criminal.
Parece que há uma situação propositada de esgotamento psicológico desses colegas, mesmo sem terem cometido crime algum.
O direito à greve está plasmado na Constituição. O que é que vocês pensam fazer para responder a essas intimidações?
Ontem, emitimos uma nota de repúdio e agora vamos denunciar esses actos às instituições internacionais, cujos tratados foram rubricados por Angola. Por sinal, está aqui uma diretora da OIT –Organização Internacional do Trabalho- e vamos assinalar essa situação que está a acontecer. Apesar de não termo confiança na separação de poderes, aqui em Angola, vamos fazer uma queixa crime, porque a lei assim estabelece. Ninguém pode ser coagido, nem molestado por ter aderido a uma greve.
O Governo diz que está disponível para negociar. Qual é a vossa margem?
Não estamos disponíveis. Fomos nós que nos flexibilizamos nessas negociações. O Governo não se flexibilizou, manteve-se fixo nas suas posições. Repare, exigimos inicialmente o reajuste do salário da função pública, na ordem dos 250%, porque aquilo que os trabalhadores auferem neste país não dá mesmo para viver.
Estamos disponíveis para nos voltarmos a sentar com o Governo, porque estamos cientes- quer o Governo, quer nós- que é a única maneira de sairmos desse impasse. Mas se o Governo se mantiver fixo nas suas posições, não vamos conseguir dialogar. Oxalá que, depois de termos chegado até esse extremo, o Governo nos apresente propostas mais concretas, para sairmos desse impasse. Ninguém está satisfeito com a greve, nem mesmo nós. Mas é um recurso legal a que os trabalhadores devem recorrer, sempre que o diálogo não resolver os problemas reivindicados pelos trabalhadores.
E se o Governo continuar a não responder às vossas reivindicações?
Não teremos outra alternativa a não ser a greve. Temos uma declaração de greve de Março que sinaliza duas outras fases. Se o Governo não [ceder] vamos continuar a pressionar. Teremos outra fase, com um tempo mais dilatado, de 22 a 30 de Abril e depois teríamos em Junho mais 11 dias de greve. Mas nós estamos cientes que se depender de nós, não vamos chegar até aí. Espero que haja essa abertura da parte do Governo, mas essa abertura não pode ser só por meio do discurso, nem por meio da palavra.
O Governo, por outras acções, mostra que não está disposto a resolver este problema. Quem está aqui em Angola não vê, nem ouve na imprensa pública qualquer menção sobre a greve. Ouvem apenas a parte do Governo e não ouvem os representantes dos trabalhadores que estão a reivindicar. São situações muito sérias e que comprometem (a imagem do país]. Na verdade, Angola, enquanto Estado democrático e de Direito, tem compromissos internacionais que deve respeitar.
A RFI tentou ouvir o António Estote, porta-voz do Ministério Administração Pública, Trabalho e Segurança Social de Angola, mas não foit até ao momento bem sucedida.