O Sindicato Nacional dos Médicos de Angola (SNMA) alerta para o aumento de mortes de crianças nos bancos de urgência dos hospitais, contrariando o discurso oficial do Governo que aponta para uma redução da mortalidade e um aumento da esperança de vida no país.
De acordo com o presidente do sindicato, Adriano Manuel, cerca de 700 crianças morreram até outubro deste ano apenas no Hospital Pediátrico David Bernardino, em Luanda, onde trabalha. O médico denuncia o colapso do sistema de saúde e afirma que os dados apresentados pelo Presidente João Lourenço, no recente discurso sobre o Estado da Nação, “não refletem a realidade” e são “difíceis de aceitar”.
Segundo Adriano Manuel, a ligeira redução em alguns indicadores de mortalidade não se deve a políticas públicas eficazes, mas a fatores climáticos.
“Nos últimos tempos, houve uma diminuição das chuvas, o que reduziu a malária e a febre tifóide. Mas isso não é resultado da ação do Governo. A mortalidade continua preocupante”, declarou.
O médico explica que muitas crianças chegam ao hospital já em estado crítico por falhas no sistema de saúde primário:
“Elas não morrem porque não conseguimos tratar, mas porque chegam tarde demais. O sistema de saúde primário não funciona.”
A ministra da Saúde, Sílvia Lutucuta, rejeitou as informações apresentadas pelo sindicato e referiu-se aos resultados do Inquérito de Indicadores Múltiplos de Saúde, conduzido com apoio internacional, como prova de que a mortalidade tem diminuído.
“Não podemos olhar de forma leviana e dizer que há muitas mortes nos bancos de urgência. Os indicadores falam por si. Tivemos um inquérito internacional e os dados não apontam para um aumento de mortalidade”, afirmou.
Lutucuta acrescentou que a esperança de vida em Angola subiu para 64 anos, o que, segundo a governante, demonstra avanços no setor.
“Não estou a dizer que não há mortes. Há, sim. Mas não são muitas. A mortalidade tem baixado”, garantiu.
Adriano Manuel questiona a credibilidade desses dados, sublinhando que o agravamento da fome e da malnutrição torna o aumento da esperança de vida “incompreensível”.
“Vivemos um dos piores momentos nutricionais. Há crianças a comer no lixo, algo que não víamos há 10 ou 15 anos”, lamentou.
O médico alerta ainda para o crescimento de doenças crónicas como hipertensão e diabetes entre adultos de 40 a 50 anos, muitos dos quais sem acesso a medicamentos por falta de meios.
“Como se aumenta a esperança de vida num país onde as pessoas não têm dinheiro para comprar remédios?”, questiona.
O sindicato defende uma revisão urgente das políticas de saúde pública, com foco no reforço do sistema de saúde primário e no abastecimento regular dos hospitais, em vez da simples construção de novas infraestruturas.
Adriano Manuel denuncia ainda a falta de anestésicos, que tem levado ao cancelamento de cirurgias, e a escassez de materiais básicos como fios de sutura, ligaduras e gesso.
“O Governo investe em grandes hospitais, mas esquece o essencial. Qualquer profissional de saúde sabe que não há medicamentos nos hospitais”, criticou.
Enquanto o Governo exalta indicadores positivos, o Sindicato Nacional dos Médicos alerta que a realidade nos serviços de urgência continua dramática, com crianças a morrerem por falta de um sistema de saúde funcional e acessível.

