A mais recente decisão do Presidente do Tribunal Supremo de Angola, Joel Leonardo, está a provocar uma tempestade no setor da justiça angolana. A jubilação compulsiva da Juíza-Conselheira Joaquina Filomena Bento Ferreira do Nascimento, aos 55 anos, reacendeu debates sobre o respeito ao Estatuto dos Magistrados e levantou suspeitas sobre a real motivação por trás do ato.
A medida, anunciada esta semana, foi tomada por Joel Leonardo na qualidade de Presidente do Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ). No entanto, a jubilação de Joaquina do Nascimento parece contrariar frontalmente o Estatuto dos Magistrados Judiciais, que fixa a idade para aposentadoria compulsória em 70 anos.
Fontes próximas ao processo revelam que a juíza se encontrava em licença médica há dois anos, com acompanhamento em Portugal. Ao planejar seu retorno às funções, Joaquina teria solicitado à junta médica o fim da licença. Para isso, necessitava de um documento da entidade empregadora que atestasse sua reintegração. O pedido, entretanto, não foi respondido — e, em vez disso, Leonardo optou pela jubilação.
Joaquina do Nascimento foi a mais votada nas eleições internas de 2019 para a presidência do Tribunal Supremo, superando o próprio Joel Leonardo. Apesar disso, foi Leonardo quem acabou nomeado pelo Presidente da República, João Lourenço, para liderar a instituição. Desde então, relatos de conflitos internos e retaliações silenciosas têm circulado, apontando para uma possível perseguição contra magistrados que não apoiaram sua nomeação.
Segundo fontes judiciais, o presidente do Supremo tem promovido o afastamento de juízes com maior prestígio técnico e substituído por nomes de sua confiança. Entre os casos mais notórios está o do juiz Agostinho António Santos, que, após disputas com Leonardo, acabou afastado e faleceu posteriormente durante tratamento no Brasil.
Em 2024, outro caso chamou atenção: o juiz Aurélio Simba também foi aposentado compulsoriamente, sob alegação de incapacidade física. Simba contestou a decisão, alegando falta de notificação prévia e ausência de parecer médico válido, além de registrar uma queixa-crime por abuso de poder contra Leonardo.
Com o afastamento de Joaquina do Nascimento, Joel Leonardo amplia ainda mais seu controlo sobre o Tribunal Supremo, restando apenas dois magistrados considerados independentes em relação à sua liderança.
Paralelamente, Leonardo está sob investigação da Procuradoria-Geral da República (PGR) por supostas práticas de corrupção, nepotismo e má gestão de fundos públicos. As investigações apontam:
- Transferências mensais de 3 milhões de kwanzas para sua conta pessoal, somando 21 milhões entre 2021 e 2022;
- Desvios de 110 milhões de kwanzas para empresas ligadas a sua sobrinha, por serviços supostamente não prestados;
- Indícios de enriquecimento ilícito e violação de princípios legais e éticos no exercício do cargo.
Apesar da gravidade das acusações, Joel Leonardo continua no cargo sem qualquer penalização formal. Setores da sociedade civil e da oposição acusam o Presidente João Lourenço de proteger o magistrado, ao permitir que o inquérito decorra em sigilo e sem transparência.
A aposentadoria compulsória de Joaquina do Nascimento, somada às denúncias de má gestão e corrupção, ampliam a pressão por maior clareza, responsabilidade e independência no sistema judiciário angolano. A sociedade civil, juristas e observadores internacionais acompanham o caso com atenção, exigindo ações concretas contra os abusos de poder e a favor de um Estado de direito mais robusto e transparente.