A exploração do gás natural em Moçambique prometia impulsionar a economia e melhorar a vida dos cidadãos. No entanto, a gestão dos recursos gerados por esse setor tem sido alvo de fortes críticas por parte da sociedade civil, economistas e organizações de fiscalização. A pergunta que ecoa cada vez mais alto é: para onde foi o dinheiro do gás?
Entre 2022 e 2024, mais de 33 milhões de dólares provenientes das receitas do gás natural foram desviados para o Orçamento do Estado sem seguir os trâmites legais exigidos. A aplicação direta desses fundos viola normas estabelecidas pela Lei do Fundo Soberano de Moçambique (FSM) e pela plataforma SISTAFE — sistema que assegura a administração financeira do país.
A descoberta destes desvios foi confirmada pelo próprio Tribunal Administrativo, mas, até o momento, nenhuma medida foi tomada para responsabilizar os autores nem para recuperar os valores utilizados de forma indevida.
O economista Constantino Marrengula afirma que a situação não é novidade, considerando os desvios como reflexo de um sistema público enfraquecido e vulnerável à corrupção.
“Esse tipo de prática tornou-se comum e mostra como a nossa administração pública está corroída. A transparência está longe de ser uma prioridade”, pontua Marrengula.
Eduardo Marrengula, também economista, reforça que existem leis específicas para punir o mau uso de recursos públicos. Ainda assim, os envolvidos permanecem impunes, evidenciando a ineficácia do sistema de justiça e a falta de vontade política para enfrentar o problema.
Já André Manhiça, do Fórum de Monitoria do Orçamento (FMO), destaca a gravidade de o Governo ter utilizado recursos do gás para cobrir despesas correntes, sem qualquer transparência ou explicação sobre a origem e aplicação desses valores.
Manhiça aponta ainda o dedo ao Parlamento, acusando-o de não cumprir com o seu dever de fiscalizar o uso dos recursos públicos. Para ele, a falta de monitoramento sistemático da conta geral do Estado contribui diretamente para o enfraquecimento da governança orçamental.
“Gostaríamos de entender como esses recursos foram utilizados, e de onde o Executivo tirou justificativas legais para essas ações”, declarou o representante do FMO.
O Centro de Integridade Pública (CIP) também levanta dúvidas importantes: embora o Governo afirme ter depositado as receitas do gás numa conta transitória desde 2022, há discrepâncias entre os valores reais arrecadados e os números oficialmente reportados. Essas diferenças colocam em xeque a credibilidade dos dados e da gestão pública como um todo.
O escândalo em torno da má gestão das receitas do gás natural mostra que Moçambique ainda enfrenta grandes desafios em termos de transparência, responsabilização e controle fiscal. A sociedade civil exige respostas claras e reformas estruturais que impeçam a repetição deste cenário. Afinal, os recursos naturais devem beneficiar o povo — e não desaparecer em silêncios e ilegalidades.