Na última semana, dois casos chocantes de assassinato contra jovens influenciadoras digitais — um no México e outro na Colômbia — despertaram alarme em toda a América Latina. As vítimas, além de compartilharem perfis semelhantes nas redes sociais, tinham idades próximas e já haviam denunciado situações de violência. Isso levantou uma preocupação: estamos diante de um aumento alarmante de crimes machistas contra mulheres com visibilidade pública?
No dia 15 de maio, María José Estupiñán, estudante universitária de 22 anos e criadora de conteúdo na Colômbia, foi assassinada a tiros em sua casa em Cúcuta. O agressor, disfarçado de entregador, disparou contra ela mesmo após uma decisão judicial recente que obrigava seu ex-companheiro a indenizá-la por violência anterior. O caso está sendo tratado como feminicídio.
Dois dias antes, no México, Valeria Márquez, influenciadora e empresária de 23 anos, foi morta durante uma transmissão ao vivo em seu salão de beleza. O assassino invadiu o local, confirmou sua identidade e atirou na frente de seus seguidores. As autoridades mexicanas também classificam o crime como feminicídio.
Ambos os casos ocorreram em países diferentes, mas apresentam um padrão inquietante: mulheres jovens, visíveis nas redes sociais, foram assassinadas de maneira brutal, mesmo após terem denunciado seus agressores anteriormente.
Os episódios de Estupiñán e Márquez somam-se a uma sequência de casos similares na América Latina. Em 2023, a peruana Marilyn Martínez, conhecida por seus vídeos no TikTok, foi assassinada por seu parceiro em Lima. Ela já havia registrado denúncias anteriores contra ele. No mesmo ano, a dominicana Chantal Jiménez foi morta por um ex-companheiro que já havia tentado atacá-la dias antes. Ela tinha uma medida protetiva.
Esses casos revelam um padrão preocupante: a repetição da violência mesmo após denúncias, ordens de proteção e decisões judiciais. O sistema de prevenção e proteção às vítimas de violência de gênero mostra-se, mais uma vez, falho.
Segundo especialistas, a notoriedade dessas mulheres nas redes pode ser um fator que agrava o risco. Dora Barrancos, socióloga argentina e ativista feminista, acredita que o alcance e influência das vítimas provocam ainda mais ódio por parte dos agressores. “A visibilidade dessas mulheres parece alimentar o desejo de aniquilá-las”, afirma.
A advogada mexicana Patricia Olamendi também denuncia a impunidade e a negligência das autoridades diante das denúncias. Ela destaca que, muitas vezes, o feminicídio é “anunciado” através de ameaças e sinais claros ignorados pelos sistemas de justiça.
De acordo com a Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), quase 4.000 mulheres foram vítimas de feminicídio em 2023 na região. Países como Honduras, República Dominicana e Brasil apresentam algumas das taxas mais altas. No entanto, os dados podem ser ainda mais alarmantes, considerando que muitos países não atualizam seus registros com frequência ou não têm órgãos governamentais dedicados ao monitoramento.
Além do luto e da indignação, há também um temor crescente entre os especialistas sobre o “efeito demonstrativo” desses crimes. A exposição desses casos nas redes sociais pode incentivar imitadores — especialmente em um ambiente social onde discursos de ódio contra mulheres, indígenas e grupos marginalizados se fortalecem.
“Estamos lidando com uma nova forma de fascismo, mais ativo e perigoso”, alerta Barrancos. “O ódio se propaga com mais facilidade nas redes, onde a violência contra mulheres se banaliza diante da passividade ou cumplicidade de setores da sociedade.”
Os recentes assassinatos de influenciadoras na América Latina não são casos isolados, mas parte de uma crise estrutural de violência de gênero que afeta todo o continente. A exposição pública, que deveria representar empoderamento e independência, acaba se tornando mais um fator de vulnerabilidade em contextos onde a misoginia ainda reina impune. Mais do que alertas, esses casos são chamados urgentes por justiça, prevenção e políticas públicas eficazes.