A manhã seguinte às eleições legislativas em Portugal trouxe um sentimento comum entre muitos eleitores: perplexidade. O avanço expressivo do Chega, agora disputando o posto de segunda força política nacional, surpreendeu o país e reconfigurou o mapa político português.
A coligação de centro-direita, Aliança Democrática (AD), composta pelo PSD e pelo CDS-PP, saiu vitoriosa, conquistando 89 dos 230 assentos da Assembleia da República. Ainda assim, o cenário político permanece incerto. Sem maioria absoluta, a AD terá de governar com margem reduzida, enquanto os partidos da oposição se reorganizam.
Mais do que uma simples mudança de força no parlamento, os resultados evidenciam um clima de instabilidade que Portugal não via há décadas. A terceira eleição geral em apenas três anos revela um eleitorado dividido, descrente dos partidos tradicionais e cada vez mais disposto a arriscar caminhos alternativos.
O crescimento do Chega foi, para muitos, motivo de apreensão. Marta Costa, moradora de Lisboa, expressou tristeza com os resultados: “Estamos a perder a oportunidade de criar um mundo melhor para os nossos filhos”, disse. A ascensão da extrema-direita, segundo ela, é sintomática de um mal-estar que se espalha pela Europa.
Henrique Bonifácio, jovem de 27 anos, compartilha o receio: “Preocupo-me com o futuro da juventude e com os que vêm a Portugal à procura de oportunidades melhores. Este resultado é alarmante.”
O partido liderado por André Ventura alcançou o mesmo número de assentos que o Partido Socialista (PS) – 58 –, e poderá até ultrapassá-lo com a contagem dos votos da emigração. Em apenas seis anos, o Chega passou de um partido emergente a protagonista da política nacional, surfando na onda do descontentamento popular com os partidos moderados e tradicionais.
Durante meio século, PS e PSD revezaram-se no poder. Agora, essa dinâmica parece ter sido quebrada. A derrota histórica do PS – o pior resultado desde 1987 – levou à demissão do seu líder, Pedro Nuno Santos, que convocou eleições internas e anunciou que não irá recandidatar-se.
Enquanto isso, a AD enfrenta os seus próprios desafios. Após perder um voto de confiança no parlamento, Luís Montenegro viu-se envolvido numa polémica relacionada com a participação numa empresa familiar, o que levantou suspeitas de violação da lei da exclusividade – embora ele tenha negado qualquer ilegalidade.
A instabilidade política dos últimos anos, marcada por escândalos de corrupção, parece ter alimentado o discurso do Chega, que se apresenta como alternativa “limpa” e nacionalista, com propostas centradas no controlo da imigração e no combate à corrupção. Curiosamente, o partido também enfrentou acusações graves, que envolvem desde furtos até casos de má conduta por parte de seus membros.
Ainda assim, para muitos eleitores como Emília Gordo, de 55 anos, a ascensão do Chega representa um apelo por mudança: “O povo está cansado. Queremos algo diferente. Mudar tornou-se uma necessidade.”
A vitória da AD e o crescimento do Chega foram amplamente noticiados pela imprensa internacional. Jornais como El País e El Mundo, de Espanha, destacaram tanto a “revalidação da direita” quanto a “ascensão dos ultras”.
O The Guardian apontou o resultado como mais um reflexo da ascensão da extrema-direita na Europa, enquanto a BBC chamou atenção para a falta de maioria da AD e a queda do PS. Em França, Le Monde falou no “colapso da esquerda”, ecoando a manchete do Corriere della Sera, de Itália.
No Brasil, a Folha de S. Paulo e O Estadão também deram destaque ao avanço da direita radical e ao enfraquecimento da esquerda portuguesa. Nos Estados Unidos, embora o tema não tenha tido grande destaque nos grandes veículos como CNN ou New York Times, algumas agências internacionais reportaram o acontecimento.
As eleições legislativas de 2025 deixam claro que Portugal está num ponto de viragem política. O crescimento de partidos extremistas, a crise de representatividade dos partidos tradicionais e o clima de desconfiança são sinais de que o eleitorado português busca algo novo – mesmo que isso signifique caminhar por terrenos incertos.
Aos olhos do mundo, Portugal segue o rumo de outras nações europeias onde o populismo e a extrema-direita ganham espaço. O desafio agora será equilibrar o desejo por mudança com a necessidade de estabilidade democrática.