Enquanto o mundo acompanha a escalada de tensões comerciais entre os Estados Unidos e seus parceiros, a China parece estar jogando com uma estratégia ousada: posicionar-se como a defensora do liberalismo económico e da globalização. Sim, a mesma China comunista que por décadas foi vista como símbolo do controle estatal agora se apresenta como uma alternativa mais previsível e aberta do que os EUA.
O presidente Xi Jinping está em plena ofensiva diplomática. Nesta semana, ele desembarcou em Hanói, no Vietname, para uma visita oficial que resultou na assinatura de 45 acordos de cooperação, em áreas que vão desde inteligência artificial até comércio agrícola e aduanas. Mas essa viagem não termina no Vietname — Xi ainda passará pela Malásia e pelo Camboja, reforçando laços com a ASEAN (Associação das Nações do Sudeste Asiático), um bloco estratégico tanto política quanto economicamente.
Essa movimentação chinesa surge em resposta direta às tarifas comerciais impostas por Donald Trump, que têm gerado desconforto em diversos países asiáticos. O Vietname, por exemplo, foi atingido com uma tarifa de 46% sobre suas exportações para os EUA — um golpe duro, considerando o crescimento das exportações vietnamitas nos últimos anos.
Xi Jinping aproveita esse cenário para oferecer à ASEAN uma alternativa: uma parceria baseada na estabilidade e nos “ganhos mútuos”, como ele próprio defende. A narrativa chinesa agora se apresenta como oposta ao “bullying económico” americano, focando na diplomacia e na construção de relações duradouras — pelo menos no discurso.
Pode soar contraditório, mas é um fato que chama atenção: a China comunista está se posicionando como campeã do liberalismo económico e da ordem global baseada em regras, num momento em que os EUA caminham em direção ao protecionismo e ao unilateralismo. Xi Jinping tem feito questão de reafirmar o compromisso chinês com instituições como a Organização Mundial do Comércio (OMC), acusando implicitamente os EUA de tentar desestabilizar a ordem econômica global.
Por trás desse discurso liberal, há uma preocupação evidente: a desaceleração da economia chinesa no pós-pandemia. A guerra comercial e as tentativas americanas de “desacoplar” as cadeias de produção da China estão forçando Pequim a buscar novos mercados, aliados e estratégias. A própria União Europeia surge como um possível contrapeso a essa tensão, já que também é alvo de tarifas e da retórica agressiva de Trump.
Analistas acreditam que essa “nova China” está menos interessada em desafiar o sistema global, e mais empenhada em preservá-lo — porque ele a favorece economicamente. O discurso do “ganha-ganha” de Xi Jinping visa, acima de tudo, garantir que a China continue sendo um ator central na economia mundial.
Apesar dos acenos diplomáticos, a relação entre China e Vietname é tudo menos simples. Os dois países possuem disputas territoriais no Mar da China Meridional, especialmente em torno do arquipélago de Paracel. No entanto, essas tensões não têm impedido a cooperação económica entre os dois lados. Pelo contrário, enquanto Xi assinava novos acordos em Hanói, exercícios navais conjuntos estavam sendo realizados no Golfo de Tonkin — um sinal claro de que interesses estratégicos podem conviver com rivalidades regionais.
O Vietname, aliás, tem adotado uma diplomacia conhecida como “diplomacia do bambu”: flexível, adaptável e estratégica. O país equilibra sua proximidade económica com a China, ao mesmo tempo em que mantém boas relações com os Estados Unidos, como forma de conter a influência chinesa na região.
A União Europeia acompanha esse cenário com cautela. Ao contrário dos EUA, Bruxelas não busca um corte radical com Pequim, mas sim uma estratégia de redução de riscos, especialmente em setores críticos. Ainda assim, há o receio de que a China possa tentar despejar seu excesso de produção em solo europeu, caso perca o mercado americano.
Com a possível reeleição de Donald Trump, essa pressão deve aumentar — tanto sobre a China quanto sobre a Europa. O resultado? Um cenário em que China, ASEAN, UE e outros atores como México e Canadá buscam fortalecer seus laços, numa tentativa de conter a escalada de tensões liderada por Washington.
A visita de Xi Jinping ao Sudeste Asiático vai muito além de acordos comerciais. Ela representa um movimento calculado em meio a uma transformação profunda na ordem geopolítica e económica mundial. A China tenta se reinventar, apresentando-se como estável, previsível e aberta ao comércio, enquanto os Estados Unidos apostam em medidas mais agressivas e nacionalistas.
No tabuleiro global, a China pode até ser comunista em sua política interna, mas quando se trata de economia, está jogando como uma liberal pragmática.