Luanda – João Lourenço, atual presidente de Angola, tem enfrentado críticas sobre suas escolhas no tratamento dos legados históricos de Jonas Savimbi, fundador da UNITA, e José Eduardo dos Santos, ex-presidente e figura chave do MPLA. Em uma análise recente, a jornalista e socióloga angolana Luzia Moniz trouxe à tona uma questão delicada: Lourenço estaria priorizando a reabilitação da imagem de Savimbi, em detrimento da memória de José Eduardo dos Santos (JES).
Desde que assumiu a liderança do país, Lourenço tem se empenhado pessoalmente em homenagear Savimbi, um antigo adversário do MPLA. Um dos eventos que mais chamou a atenção foi a organização do funeral de Savimbi, em 2019, onde suas ossadas foram finalmente sepultadas no Lopitanga, província do Bié. A decisão veio após um processo de negociações entre Lourenço e a família de Savimbi, culminando em uma cerimônia com honras que destacaram a importância simbólica desse gesto.
Em contraste, o funeral de JES, falecido em 2022, não teve o mesmo grau de atenção por parte do governo angolano. Moniz destaca que essa diferença de tratamento entre as duas figuras políticas revela uma clara preferência de Lourenço por valorizar o legado de Savimbi.
A relação próxima entre João Lourenço e Isaías Samakuva, ex-líder da UNITA e coordenador da Fundação Jonas Savimbi, é outro ponto importante levantado por Moniz. Essa parceria tem permitido o avanço de projetos em nome de Savimbi, incluindo a criação da Fundação Jonas Savimbi e até a proposta de renomear uma rua de Luanda em sua homenagem. Essa atenção dispensada a Savimbi, segundo a jornalista, contrasta com o distanciamento em relação a figuras históricas do MPLA, como JES, cujas imagens foram retiradas de edifícios públicos e cujos aliados políticos têm enfrentado dificuldade para serem recebidos pelo presidente.
Moniz também aborda o redirecionamento da política externa angolana, notando uma clara aproximação de Lourenço com o Ocidente, enquanto se distancia de antigos aliados, como a Rússia. Essa mudança, segundo a autora, está mais alinhada com a visão de Savimbi, que tinha fortes laços com o Ocidente, do que com a tradição de José Eduardo dos Santos, que sempre manteve uma relação próxima com Moscovo.
Esse cenário de confronto entre os defensores de JES e os apoiadores de Lourenço aponta para uma crescente divisão dentro do MPLA, que Moniz descreve como uma verdadeira “guerra civil” interna. Ela sugere que o atual presidente está preocupado com sua própria segurança política e física após deixar o poder, o que justificaria sua aparente obsessão em promover o legado de Savimbi, ao mesmo tempo que negligencia a memória de José Eduardo dos Santos.
Para Moniz, essa disputa não se resume apenas à luta pelo poder, mas envolve também uma batalha ideológica dentro do partido. De um lado, temos Lourenço, cuja maior realização, segundo a autora, é a reabilitação de Jonas Savimbi. Do outro, estão os que defendem o legado de JES, um líder que governou Angola por décadas.
No final das contas, a crise interna do MPLA reflete algo maior: uma crise ideológica e política que pode impactar significativamente o futuro de Angola. Lourenço, ao apostar na reconciliação com o legado de Savimbi, arrisca alienar uma parte importante do partido, que ainda vê José Eduardo dos Santos como a figura central da história recente do país.