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HomeOPINIÃOBase militar dos EUA custaria a subserviência de Luanda?

Base militar dos EUA custaria a subserviência de Luanda?

Analistas dizem que uma base dos EUA já estará a ser instalada no norte de Angola. Luanda não se pronuncia sobre isso. A concretizar-se, seria uma violação da Constituição e teria consequências para o país e a região.

Na nova era das relações entre Angola e os EUA, a cooperação militar tem merecido especial atenção. Motiva a posição norte-americana a proteção dos seus interesses económicos no Corredor do Lobito e especialmente na República Democrática do Congo (RDC).

O académico angolano Paulo Inglês diz que “há uma cooperação militar entre os EUA e Angola que tem sido reforçada ultimamente. Um dos assuntos é a instalação de uma base militar no norte de Angola, na zona do Soyo, numa zona petrolífera, na costa”.

A instalação da base militar seria motivada por interesses geoestratégicos de Washington, na leitura de Inglês: “Esta base faz parte de um plano de expansão das bases norte-americanas em África. Há [nesse plano] uma parte chamada ‘Atlântico Sul’, e Angola entra nesta rede de bases.”

“Escolheu-se o Soyo porque está perto de Cabinda e Congo, que fica numa parte triangular. Esta base já está a ser construída, é perto do mar, uma zona estratégica”, acrescenta o académico.

Este é um assunto que nunca foi tornado oficial pela “Cidade Alta”. No ano passado, o Governo rejeitou a criação de bases norte-americanas em Angola. O académico da Universidade alemã de Bayreuth reconhece que o tema é tratado com certa discrição e parcimónia.

Violação da Constituição?

A ser assumido pelo Governo, representaria uma violação da Lei Mãe, comenta o angolano Kinkinamo Tuasamba, especialista em Relações Internacionais: “A possibilidade da criação de uma base militar norte-americana no nosso país viria a ser uma violação da Constituição”, realça.

No Soyo, a atividade petrolífera é intensa e atrativa do ponto de vista estratégico
No Soyo, a atividade petrolífera é intensa e atrativa do ponto de vista estratégico.

O académico recorda que “não existe nenhuma informação do Governo angolano de que existe essa pretensão. O que houve, sim, durante a visita do secretário de Defesa norte-americano [em setembro de 2023], foi um grande interesse dos norte-americanos de trabalhar com Angola tendo em conta as conflitualidades que o continente africano vai vivendo e o papel do Presidente João Lourenço na resolução desses conflitos”.

As “perversões” dos EUA

Mesmo que os dois Estados persigam objetivos comuns para a região dos Grandes Lagos, fundamentalmente de restaurar a paz na RDC, há um histórico obscuro que pode deixar diversos setores com o pé atrás em relação a base no Soyo.

O especialista moçambicano em Relações Internacionais Paulo Wache partilha exemplos: “Conhecemos o comportamento dos EUA na América Latina, onde organizou subversões e golpes de Estado, apoiando-se nos Estados vizinhos. Então, se você tem um vizinho que tem um americano, não é garantia de que vai ter ‘externalidades’ só positivas. Pode ter ‘externalidades’ negativas se o Governo vigente nesse país for hostil aos interesses americanos. Significa ao mesmo tempo uma preocupação para os países vizinhos de Angola, mas também pode haver uma certa vantagem.”

Para Wache, é óbvio que o principal objetivo de Washington é satisfazer os seus interesses; afinal, “não há almoços grátis” nas Relações Internacionais. Da RDC querem principalmente os recursos para carburar a sua indústria de automóveis elétricos, para suplantar o líder de mercado, a China. A matéria-prima é transportada pelo Corredor do Lobito, também com interesses americanos.

Jovens da RDC juntam-se ao Exército para combater o M23

Mas essa ambição poderia ficar comprometida pela instabilidade causada pelos rebeldes do M23, que estão longe de ser derrotados.

O investigador português Fernando Cardoso recorda que o Presidente da RDC, “Felix Tshisekedi, tentou várias combinações aliadas, neste momento são apoiadas por três grupos de mercenários e são grupos congoleses e também por forças da Tanzânia, Burundi e da África do Sul. E agora tendo mandado embora a missão das Nações Unidas, a MONUSCO, que era a segunda maior missão da ONU fora.”

Como ficaria Moçambique na foto?

Moçambique não ficaria fora do raio da investida de força norte-americana, não só pelo facto de a instabilidade na RDC estar relacionada com o terrorismo em Cabo Delgado através do ADF, ramo do Estado Islâmico, mas também por causa das ricas reservas de gás, que podem tornar o país num dos 10 maiores produtores do mundo.

“Cabo Delgado tem muitas riquezas. Quando os EUA montam uma base militar num determinado Estado, com certeza que eles querem ter o controlo da riqueza em volta do território”, alerta Kinkinamo Tuasamba.

O académico lembra ainda que “os EUA são o Estado com mais bases militares no mundo, cerca de 800, e vão perdendo essas bases. Moçambique oferece, de facto, essa vantagem tendo em conta a sua fragilidade política, montando uma base militar tendo em conta o terrorismo naquela zona”.

“Há muito gás naquela zona. Porém, por detrás, há interesses económicos de subtrair esse gás”, sublinha.

O coltan, que se explora na RDC, é essencial para a produção de baterias para carros elétricos
O coltan, que se explora na RDC, é essencial para a produção de baterias para carros elétricos.

Paulo Wache entende que “nem para Angola, não há benefícios nem prejuízos a partida. Os estados poderosos sempre agem de forma coerciva, mesmo que a coerção seja do modelo do rato, que rói e sopra, mas é sempre coerção”.

Luanda vai “curvar-se” aos desejos de Washington?

Apesar dos factos disponíveis, os impactos da presença norte-americana na região continuam a ser uma incógnita, considera Paulo Wache. Mas o pesquisador moçambicano está certo de uma coisa: Luanda vai ter de se curvar a Washington.

“E os dirigentes angolanos com certeza sabem que estabelecer uma base americana não significa mais segurança, significa que têm de ser mais subservientes para manter a aparente segurança.”

No consulado do Presidente José Eduardo dos Santos, os EUA eram apontados como patrocinadores das revoltas contra o regime, através do financiamento à sociedade civil. Recentemente, Washington lançou o PROPID, Programa de Apoio aos Partidos Políticos para uma Democracia Resiliente e Inclusiva, que certamente alavancará mais a oposição. Irão os EUA mais uma vez regular o cenário político conforme os seus interesses?