Desta vez, a história é de um bravo combatente das extintas FAPLA, Forças Armadas Populares de Libertação de Angola, o homem que foi um dos sobreviventes ao ataque à Quibala, em 1984, e que ajudou a indicar o caminho aos seus companheiros, durante a longa marcha de volta ao Wako Kungo.
Fonte: Club-k.net
A Província do Kwanza Sul foi de extrema importância para as manobras dos guerrilheiros de Jonas Savimbi, principalmente pela sua posição geográfica. A partir do ano de 1983, a actividade militar das FALA era muito intensa nas províncias de Benguela e Kwanza Sul, que constituíam a Frente Estratégica Frustração do Povo, composta pelas Regiões Militares: 25, 35, 50, 71 e 93 – sob comando do destemido Comandante Joaquim Alberto Vinama “Chendovava”. Meses antes do ataque à Quibala, o Cmdte Chendovava já tinha abordado o Sumbe (Novo Redondo) e o Mussende. A Quibala estava na mira. E se fosse atacada, seria uma forma de dizer ao Governo da então República Popular de Angola que as FALA estavam presentes em todo lado e em força. Foi assim que, o Cmdte Chendovava pôs em movimento três Batalhões: o Bat. 513, do Cmdte Mutwaxile; o Bat. 360, do Cmdte Sopa e o Bat. 517, do Cmdte Ngongo. Com as Unidades devidamente posicionadas na zona de Quibala, ficar-se-ia apenas a aguardar pelo momento certo para desferir o golpe. É aqui por onde a história começa:
Em conversa com o meu amigo combatente das ex-FAPLA, conhecido nas lides militares como chefe Fina, falou-me do ataque que a sua Unidade sofreu no ano de 1984, na Quibala. Uma história arrepiante! Para tentar cruzar os dados, liguei para um Oficial General das extintas FALA, o Brigadeiro Tchipa. Prontamente, passou-me o número do Comandante Alcídio, mais conhecido por Wima, que atuou naquela Região e participou do ataque. Todos os detalhes revelados por ele encaixavam perfeitamente ao que me contou o bravo combatente das ex-FAPLA. Afinal, quem combateu de verdade não inventa histórias, porque sabe que existem sobreviventes de ambos os lados a deambular por aí. Eles falam pouco, mas sabem muito, e estão atentos ao que se vai dizendo. Nenhum deles, dos que já contactei, aceitou falar de combates de que não participou. (O meu maior respeito!).
Eis a história do ataque contada na primeira pessoa pelo chefe Fina: no mês de Junho de 1984, o Comando da Sétima Região, localizado no Wako Kungo, recebeu uma coluna Militar oriunda de Luanda, com destino a Benguela. A coluna foi reforçada pela nossa Unidade – que, também, estaria a se transferir para a mesma Província. Foi assim que, naquela bela manhã, partímos para Quibala. A viagem foi boa, não caímos em nenhuma emboscada, e nenhuma viatura acionou mina! Aliás, havia tranquilidade entre o pessoal – a nossa coluna estava munida de veículos de Assalto, carros militares de marca “Kamaze”, “Gaze”, Ural e um número considerável de militares muito bem equipados e treinados. Isso oferecia segurança a qualquer um. Mesmo o inimigo, se visse o nosso aparato passar, teria de pensar duas vezes antes de atacar. E lá fomos nós, atentos a qualquer movimento estranho que aparecesse. Felizmente, não vímos nada pelo caminho que nos despertasse a atenção. Foi assim que, muito antes das 14 horas, estávamos a entrar na Quibala. Parte dos efectivos instalou-se na área do aeródromo da Vila; a outra, na Caima (fábrica situada próximo ao Cemitério da Quibala); e algum pessoal civil que se havia integrado na Coluna, desde o Wako, posicionou-se, com os seus carros, ao longo da estrada, no centro da Vila.
Tudo parecia normal. Assim que nos acomodamos, os soldados mais traquinos saíram pelos Bairros adentro, para ver algumas miúdas e, também, se conseguiam alguma “kapuka”. Até aí, tudo tranquilo. Mas por volta das duas ou três da madrugada, ouviu-se um estrondo nas redondezas da pista; logo a seguir, mais um e mais outro, e depois, ouvia-se rajadas, morteiros e tudo mais.
Criou-se um clima descontrolado… pouco se podia fazer… fomos acordados por tiros. As nossas linhas de defesa não suportaram o poder de fogo dos Nharas (como eram alcunhados os soldados das FALA). A única coisa que fiz foi pegar a minha arma e bater em retirada, na companhia de um soldado que transportava o morteiro 82 milímetros. A ideia era a de abandonar a zona e nos posicionarmos numa área em que pudéssemos acompanhar o desenrolar do combate e pensar num possível reagrupamento, para cairmos sobre eles num dos flancos. Mas as coisas não corriam nada bem… Pouco a pouco notámos que o inimigo já controlava os pontos estratégicos da Vila, e já se escutava claramente os cânticos de vitória, inclusive, ouvímos vozes femininas a gritar, assim: “kwata o lo fapula, kwata…” (agarra as FAPLA, agarra…). Percebemos que não havia mais hipóteses, a não ser a de quebrar a silueta e abandonar o terreno. Daí, sacámos azimute e bazámos de regresso ao Wako Kungo. Aquilo foi fura-fura; sobe e desce montanhas; entra daqui, sai de acolá – para evitar cruzar com os nharas, e, de repente, … continua no Livro…
Voltarei…
Luanda, 4 de Abril de 2024.
Gerson Prata