Foi colocada a questão de se saber se o salário mínimo nacional deve cumprir uma função social, à luz da Constituição da República. E quê direitos são lesados, eventualmente, se não se observarem os preceitos constitucionais.
O primeiro deles tem, certamente, a ver com direitos humanos. Angola é uma República “baseada na dignidade da pessoa humana“, cujo objectivo fundamental é a construção de uma sociedade justa, assim define o artigo 1º. da Constituição.
E, se não há a mínima predisposição de aplicar a Constituição, os seus preceitos estarão constantemente sob “stress” e daí resultar a diluição do seu valor normativo para a sociedade.
Todo o ser humano, dispõe a Declaração Universal dos Direitos Humanos, no seu artigo 25º., tem direito a um “padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, alimentação, vestuário, habitação (…)”.
Desde logo, não faz sentido que, estando inscritos na Constituição e outros instrumentos jurídicos internacionais retificados por Angola, se pretenda negar o exercício destes direitos.
Vale lembrar, uma vez mais: quando o cidadão está no exercício dos seus direitos fundamentais, o poder político ou a administração pública deve adoptar duas posturas. Uma negativa e outra positiva. Primeiro, abster-se de se imiscuir e, depois, dar proteção a quem, legitimamente e sem ofensas à lei, a ordem e segurança pública, se manifesta.
E lembrar também que os direitos fundamentais são de aplicação imediata, são dotados de garantias e, por isso, de valor reforçado.
Na prática, proibir o exercício livre destes direitos é negar a Constituição. E houve tentativas musculadas nesse sentido no decurso do primeiro período (de 22 a 23 deste mês de Março) de observação da primeira greve nacional interpolada.
Na província do Huambo, a governadora teria dado ordem de prisão (não há confirmação do facto por fontes independentes) a um número determinado de grevistas e na província do Bengo grevistas foram detidos sem ordem formal de entidade judicial.
Coisas esquisitas que não deveriam ocorrer num estado democrático de direito. A polícia deteve, por exemplo, alguns grevistas numa esquadra e entregou-os à custódia do SIC. E alguns deles aí pernoitaram. Dia seguinte foram enviados directamente para julgamento em tribuna, sem conhecerem do que iam acusados. Coisas deste tipo, estranhas.
Segundo informações da equipa de defensores, o juiz de garantias não foi encontrado. Era, porventura, também um grevista.
Mas, ainda assim, os grevistas foram encaminhados directamente ao tribunal para julgamento. Uma clara violação dos direitos humanos.
A questão do salário mínimo nacional é uma questão civilizacional. O chefe de família vai trabalhar todos os dias e ao final do mês recebe o salário que não compra a cesta básica por uma semana.
E perante esta disfunção o Estado baixa os braços e lava as mãos. O salário mínimo nacional tem que cumprir uma função social.
A este respeito, diz o Papa Francisco: “Nos últimos anos, os chamados trabalhadores pobres aumentaram. Pessoas que apesar de terem emprego não conseguem sustentar as suas famílias. Os sindicatos são chamados a dar voz aos que não têm voz.”
Fonte: Correio Angolense