“Passo a passo a igualdade está cada vez mais próxima”, garantiu o primeiro-ministro Gabriel Attal, que saudou “um passo fundamental, que ficará na História e que deve tudo aos anteriores”. “Há momentos em que a unidade, o interesse coletivo e o interesse geral devem substituir as brigas quotidianas”, acrescentou.
“O homem que sou não pode conhecer a angústia destas mulheres, o sofrimento físico, o sofrimento moral mas o irmão, o filho, o amigo, o primeiro-ministro vão lembrar-se do orgulho de ter estado nesta plataforma”, apontou Gabriel Attal.
Nas redes sociais, o primeiro-ministro congratulou-se com a decisão histórica. “Hoje, a França enviou uma mensagem histórica ao mundo inteiro: os corpos das mulheres pertencem-lhes e ninguém tem o direito de dispor deles em seu lugar”, precisou.
Houve aplausos estrondosos na câmara quando o resultado foi anunciado e no centro de Paris, a Torre Eiffel foi iluminada para marcar a ocasião. A medida já tinha sido aprovada pelas câmaras alta e baixa, pelo Sénat e pela Assemblée Nationale, mas era necessária a aprovação final pelos parlamentares na sessão conjunta de Versalhes para efetuar a mudança constitucional.
“Celebremos juntos a entrada de uma nova liberdade garantida na Constituição”, referiu o presidente francês, Emmanuel Macron, na rede social ‘X’.
Célébrons ensemble l’entrée d’une nouvelle liberté garantie dans la Constitution par la première cérémonie de scellement de notre histoire ouverte au public.
“O nosso direito de abortar – obrigada Simone Veil – é uma liberdade fundamental. O seu lugar está na Constituição, na Lei Básica, como um direito inalienável”, escreveu a ex-ministra da Justiça socialista, Christiane Taubira, na rede social ‘X’.
Nous fêtons mais restons vigilantes. Un droit entraîne l’obligation de le rendre effectif, explique Simone Weil.
Com esta medida, a interrupção voluntária da gravidez vai passar a ser um direito constitucional em França.
A revisão constitucional irá alterar o artigo 34, que passará a incluir “a garantia da liberdade das mulheres de recorrer à interrupção voluntária da gravidez”.
Para ser definitivamente aprovada, a alteração constitucional exigirá o ‘OK’ definitivo de uma maioria de três quintos de uma sessão conjunta do Parlamento, tradicionalmente realizada no Palácio de Versalhes.
Embora tenha reconhecido que atualmente o direito ao aborto não está ameaçado em França, o ministro da Justiça, Eric Dupond-Moretti, considerou necessário registar o aborto para que “no futuro nenhuma maioria possa questioná-lo”.
Moretti lembrou o caso dos Estados Unidos, mas também o da Hungria ou da Polónia, onde os partidos conservadores restringiram o direito ao aborto, e destacou que no futuro isso também poderia acontecer em França.
Em França, o direito à interrupção voluntária da gravidez está atualmente consagrado numa lei ordinária que data de 1975, e a sua consagração no direito constitucional dificultará qualquer tentativa futura do legislador de o abolir ou de limitar fortemente, segundo os seus defensores.
De acordo com uma sondagem de novembro de 2022, quase nove em cada dez franceses (86%) são favoráveis à consagração do direito ao aborto na Constituição.
Os últimos números oficiais, publicados em setembro, mostram que o número de abortos em França aumentou para 234 mil em 2022, após dois anos de declínio excecional devido à epidemia de Covid-19.
Com a consagração deste direito na Constituição será mais difícil modificá-la, sendo exigida uma maioria de três quintos para alterá-la novamente.
Extrema-direita vota a favor da reforma no Parlamento
A maioria dos deputados da extrema-direita votou a favor da reforma, mas os seus dirigentes deixaram uma nota discordante, considerando que se tratou de uma manobra do Presidente francês para esconder a sua fragilidade parlamentar.
“Vamos votar esta constitucionalização, porque não nos representa nenhum problema, mas a partir daí não podemos falar de um dia histórico. É um dia explorado por Emmanuel Macron para a sua própria glória”, disse a líder da extrema-direita, Marine Le Pen.
Outros parlamentares conservadores expressaram dúvidas se a reforma adotada poderia infringir a liberdade dos médicos de se oporem à realização de abortos com base na objeção de consciência.
Antecedendo a votação histórica, a Pontifícia Academia do Vaticano para a Vida defendeu hoje que “não pode ser um direito” acabar com uma vida humana.
“A Pontifícia Academia para a Vida reitera que precisamente na era dos direitos humanos universais não pode haver um ‘direito’ de suprimir a vida humana”, afirmou em comunicado.
A iniciativa já tinha sido aprovada no final de janeiro por uma maioria esmagadora na Assembleia Nacional e, na semana passada no Senado, apesar da relutância de alguns senadores de direita e do centro, que têm a maioria na câmara alta.