As desistências foram comunicadas à prefeitura após o prazo final dado pelo órgão para o cancelamento, em 30 de dezembro. A falta de investimento e a desorganização da gestão municipal faz parte dos fatores dizem agremiações.
by: Joacles Costa
O carnaval de rua de São Paulo deste ano contará com cerca de 100 blocos a menos do que o previsto inicialmente pela gestão municipal. A comunicação dos cancelamentos foi feita por meio de edições do Diário Oficial publicadas desde janeiro.
O principal motivo da desistência, segundo os blocos, é a falta de recursos e falta de incentivo público. As agremiações reclamam também de desorganização por parte da prefeitura e questionam o modelo de organização do evento neste ano (veja mais abaixo).
Multidão lota Vale do Anhangabaú, em São Paulo, no bloco Domingo Ela Não Vai em 2017
No ano passado, a Prefeitura de São Paulo determinou o prazo até 30 de dezembro para que os blocos cancelassem oficialmente os desfiles antes de serem anunciados oficialmente.
A lista oficial de desfiles foi divulgada no início de janeiro, com a previsão de desfile de pelo menos 579 blocos que tomariam as ruas da cidade durante os oito dias oficiais de folia na capital.
Desse total, mais de cem já anunciaram neste mês de janeiro que não têm mais condições de se apresentar neste ano. Outras 16 agremiações já tinham comunicado à prefeitura no último ano que não participariam deste carnaval.
Nas contas da secretaria das Subprefeituras enviadas à TV Globo, em 2024 já houve 129 desfiles cancelados, número inferior aos 213 desfiles cancelados do carnaval de rua do ano passado, 2023.
A pasta ainda não informou o número de blocos que cancelaram os desfiles, uma vez que um único bloco pode desfilar vários dias de carnaval diferente na cidade
O que diz o prefeito de SP
Em evento na manhã desta quinta (1°), o prefeito Ricardo Nunes (MDB) minimizou a desistências dos blocos e afirmou que a Prefeitura de SP está dentro dos prazos para fornecer toda a infraestrutura necessária para que os blocos se apresentem nas ruas da capital.
“Cada ano que a gente faz o carnaval de rua, ele vai aumentando de tamanho. Agora, lógico, que com um evento desse tamanho, com centenas de blocos participando, pode ter um ou outro que desista. Agora, não é a prefeitura que paga esses blocos. São blocos independentes. A prefeitura dá a infraestrutura para eles poderem fazer o seu desfile, que é muito importante para a cidade. Agora, se algum ou outro bloco desiste, é um problema dele, de uma organização dele”, disse Nunes.
O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), em coletiva de imprensa na manhã desta quinta (1º).
“O que compete à prefeitura é fornecer toda a infraestrutura de gradil, de banheiro, de segurança, da questão logística de fechamento de ruas. Tudo isso está sendo feito e está dentro do prazo. Não existe nada diferente do que foi feito nos anos anteriores. A questão de dinheiro, os blocos captam diretamente os patrocínios com as empresas. O que a gente tem percebido é que algumas empresas estão optando, algumas delas, de não investir no bloco, mas investir em bares e locais. É uma decisão da empresa patrocinadora”, justificou.
Megablocos na lista
Entre os desistentes está o megabloco Domingo Ela Não Vai, que desfila em São Paulo desde 2016 e arrasta multidões ao som de clássicos do Axé Music brasileiro.
Alberto Pereira Junior, cofundador do bloco e representante do Blocão, conta que estão desde o fim do ano passado tentando viabilizar o desfile, mas na terça-feira (30) entenderam que não seria possível.
“A gente lutou até ontem, mas tem uma hora que, pela nossa sanidade mental, a gente precisa desistir também. Tem hora que só a vontade não é suficiente, é preciso partir para a realidade. Voltaremos no ano que vem com mais força, estrutura, energia renovada e num novo modelo.”
“Faltam estrutura e pensamento a longo prazo para o carnaval de rua por parte do poder público. Precisa de um olhar de Estado, não de governo, para investir no carnaval de rua”, completou.
Há também alguns que saíam mais de um dia e optaram por cancelar parte dos cortejos, como o Jegue Elétrico, e outros que ainda tentam viabilizar os desfiles, como o Lua Vai e o Samby e Junior.
Cancelamentos desde 01/01/2024
- AFROPOP
- 50 tons de Pinga
- A Madonna Tá Aqui
- ALOHA PORTAL
- Amigos da Fiel Tiradentes
- Associação Recreativa e Cultural Bloco Carnavalesco Bloco da 3
- Bar Do Rafa’
- Beija-flor (Banda Timbalada)
- Berço Elétrico
- Bloco 0800 Deekapz
- BLOCO ABRA ALAS
- Bloco Agrada Gregos – desfile extra cancelado
- Bloco Ayabass (Luedji Luna, Xênia França, Larissa Luz)
- Bloco Belas & Empreendedoras e Mel’S
- Bloco Beleza Rara
- Bloco Calçada do Samba do Jd. Almanara
- Bloco CarnaUrsos
- Bloco Carnavalesco Carnavelhas
- Bloco carnavalesco Todos na Contra Mão
- Bloco Carnavalesco Vem com o Pai
- Bloco Carnavibe Feat Ressaca
- BLOCO DA ABOLIÇÃO
- Bloco da Alegria
- Bloco da Baby
- Bloco da Preta
- Bloco Da Vaca
- Bloco das Minas
- Bloco Diversidade Unida
- Bloco do Amor
- Bloco do Chacrinha
- Bloco do Festival Melhor DIA
- Bloco do Fuá
- Bloco do Lelelê
- Bloco do Rock
- Bloco do Zé Pretinho
- Bloco dos Invertidos
- Bloco dos Pinheirinhos
- Bloco Dré Tarde
- Bloco E Essa Boca Aí
- Bloco Eco Campos Pholia
- Bloco Eu Quero É Frevo com Orquestra Frevo do Mundo e Convidados
- Bloco Frita Comigo
- Bloco G
- Bloco Galera da Rampa
- BLOCO GENTE FELIZ DA VANESSA DA MATA
- Bloco GoFun – Bloco Desandei
- Bloco GoFun (Solteiro Não Trai)
- Bloco infantil Vem Erê
- Bloco Jah É
- Bloco Jegue Elétrico SP
- Bloco love funk
- Bloco Lua Vai
- Bloco Magia
- Bloco Megazord
- Bloco MEL´S
- Bloco Mistura Fina
- BLOCO NA MANHA DO GATO
- Bloco Não era Amor era Cilada
- Bloco Nosso Sonho
- Bloco Orra Bello
- Bloco Reggae Night
- Bloco Revoada de Carnaval
- Bloco Siriricando
- Bloco Sovaco de Cobra
- BLOCO UNIÃO
- Bloco Vou de Táxi
- BLOCO XODÓ
- Bloquinho da Jéssica
- BNH – Bebo na Hora
- Bridge Festival
- Bunytos de Corpo
- CarnaCadoz – Reggae e Rock
- Carnafacul – O Bloco
- Coletivo Missa
- Cordão da Bola Preta
- Cores Vivas
- Domingo Ela Não Vai
- É Pequeno + Balança
- Encontro de Fanfarras
- Fanfarra do Vou de Táxi
- FANFARROES CAMALEON
- FANFARROES DO JUREA
- Felicidades Pretas – Feira Preta
- Fobicão
- Fogo & Paixão
- JBAS IÓRIO Alegrando as Ruas e Corações
- Libertas
- Mamãe, Eu Quero Beltar!
- Mamonas Assassinas, o legado
- Megabloco do Fervo – O maior da Zona Norte
- Pagode 90’S
- PATRICIA SECCHIS & BLOCO MADALENA
- Paulão do Vra e Samba Magia, o Bloco
- PERON É FESTA
- Pirikita em Chamas
- Quintal dos Prettos
- Sambão
- Samuca e a Selva
- Sonido Trópico
- Trio Sebah Vieira
- Vai Você em Dobro
- Zélia, Cássia, Rita, Carolina e Todas as Minas
- Ziriguidum – Resgate a Primeira Infância
Cancelados antes do prazo final de 30/12
- Bloco Caldeirão Sem Fundo
- Bloco Caminera
- Bloco Caos Tribal
- Bloco carnavalesco tá com medo porque veio
- Bloco de Veleiros – É pequeno mas vai crescer
- Bloco do ve
- Bloco Du Zé
- Bloco Gambiarra
- Bloco Grande Família
- Bloco Klezmer do Bom Retiro
- Bloco Não To Bem 279
- Bloco Saia de Chita
- CarnaBelém SP
- House de Rua
- Itaquerendo Folia
- Toca Raulzito SP
Zé Cury, coordenador do Fórum de Blocos do Carnaval de Rua, que representa 215 blocos da cidade, avalia que o cancelamento de blocos é normal no carnaval, mas há um movimento atípico neste ano.
“Sempre tem uma queda de entre 10% e 20% do que a gente vê de inscritos em outubro e dos que realmente vão para a rua no final. O que é novo neste ano é que quem se articula normalmente para ter o seu próprio bloco ficou prejudicado pela falta de esclarecimentos da prefeitura, do próprio atraso da definição do patrocinador master. Isso tudo deixou o mercado de possíveis patrocinadores em stand-by, e muita gente não conseguiu, porque só em meio de janeiro saiu o edital de quem seria realmente o patrocinador [do carnaval] da cidade”, afirma.
Segundo ele, o patrocinador decide como vai distribuir a verba do patrocínio e, com isso, alguns blocos ficam inviabilizados de sair na rua.
Bloco da Maria, da cantora Maria Rita, que estreou no carnaval de rua de São Paulo em 2023 desfilando em frente ao Parque do Ibirapuera — Foto: SUAMY BEYDOUN/AGIF – AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/AGIF – AGÊNCIA DE FOTOGRAFIA/ESTADÃO CONTEÚDO
Thais Haliski, da Comissão Feminina do Carnaval de Rua de São Paulo, diz que os cancelamentos já eram esperados pelos organizadores dos blocos.
“O edital de fomento tem etapas que contemplam datas que não convergem com o carnaval de 2024, ou seja, o bloco precisa de fomento para o ano de desfile, e não para receber esse valor depois. Por quê? Porque ele não tem garantia de que vai receber o dinheiro. O edital de fomento não é para todos os blocos, ou seja, o bloco pode se inscrever, aguardando ser contemplado, mas ele pode não receber, porque temos 579 blocos inscritos na cidade, e o fomento é para 100, ou seja, não é para todo mundo, a grande maioria não tem fomento da cidade.”
Ela questiona o modelo do carnaval de rua em vigor na capital e vê nos cancelamentos em série um sinal de que, se não houver mudança, o evento deve perder força: “Somos os protagonistas do carnaval, organizamos a festa dessa parte de organização dos blocos, e a prefeitura é responsável pelo planejamento, estrutura na cidade, organização de serviços para receber uma demanda absurda de turistas ⏤ esse modelo está provado que não dá certo. O carnaval de São Paulo vai minguar e vai chegar uma hora que todo mundo vai desistir e vai voltar a ser o que São Paulo era, que todo mundo no carnaval viajava para a praia”.
Lira Alli, da liderança do Arrastão dos Blocos, também reclama da organização: “É muito complicado porque tem gente que ensaiou o ano inteiro, se preparou o ano inteiro para isso. E aí chega na hora H e tá encontrando dificuldades muito objetivas e concretas. É muita irresponsabilidade não pensar com antecedência no Carnaval. Eu acho que é bem possível que a gente neste ano tenha a maior taxa de cancelamento de blocos na cidade de São Paulo. E isso é triste porque a grande característica do carnaval de rua de São Paulo é a sua diversidade”.
Eduardo Viola, produtor do Bloco dos Ursos, diz que, quando olharam o cenário, perceberam que a decisão mais “saudável” era suspender o desfile neste ano. “E continuar na luta para buscar recursos para que, no ano seguinte, a gente consiga ter uma gestão que converse melhor com os blocos, que oriente ou que apresente também um plano.”
Jorge Minoru, do Meu Santo É Pop, conta que, mesmo tendo organizado duas festas, o bloco não conseguiu atingir o valor mínimo para o desfile. “Neste ano nenhuma marca quis patrocinar o bloco. Até pedimos para a prefeitura para fazermos um bloco parado, que o custo é menor, mas não autorizaram. Estamos tristes, com o coração apertado porque a gente sabe o quanto o bloco é importante para o carnaval de São Paulo.”
Zé Cury finaliza: “O que é chato é que o poder público se vangloriar de ter o maior carnaval do Brasil, mas as pessoas que fazem isso acontecer são os blocos, não é a prefeitura. A prefeitura só dá os serviços de estrutura, que é a parte dela. Fica a tristeza de a gente não poder colaborar para que o carnaval seja melhor e, ao contrário, sofrer represálias em relação às coisas mais tradicionais de uma festa de carnaval, como ter que parar de tocar às 18h. O reflexo é esse, é a tristeza no maior carnaval do Brasil”.
O que diz a prefeitura de SP
A Prefeitura de São Paulo afirmou, por meio de nota, que a Secretaria Municipal das Subprefeituras realiza reuniões constantes com os organizadores dos blocos nas 32 subprefeituras da cidade desde dezembro do ano passado e que todos os trajetos foram analisados em conjunto com a comissão especial do evento.
Diz também que os blocos cadastrados terão a estrutura necessária para a realização dos desfiles.
Sobre o cancelamento dos desfiles, no entanto, a prefeitura não encaminhou resposta até a última atualização desta reportagem.