Um ano depois das manifestações que eclodiram em Maputo na sequência das eleições gerais de 2024, a Polícia moçambicana continua a enfrentar uma grave crise de imagem e de confiança junto da população. A constatação foi feita pelo presidente da Associação Moçambicana de Polícias (Amopaip), Nazário Muanambane, em entrevista à agência Lusa.
Segundo Muanambane, a corporação “ainda não conseguiu restabelecer a relação com os cidadãos”, devido à forma como foi percebida a sua atuação durante os protestos. “A polícia foi mal interpretada no exercício da sua função de garantir a ordem e tranquilidade pública”, afirmou, reconhecendo que o uso da força durante as manifestações “afetou bastante a imagem da instituição”.
Os protestos começaram em 27 de novembro de 2024, em Maputo, depois de uma mulher ter sido atropelada por uma viatura policial durante uma manifestação. A onda de contestação rapidamente se espalhou, motivada também pelo assassinato de dois apoiantes do político Venâncio Mondlane, ocorrido dias antes, na noite de 18 para 19 de outubro, no centro da capital.
As manifestações prolongaram-se por mais de cinco meses, resultando em violência generalizada e forte repressão policial. De acordo com o relatório da plataforma Decide, divulgado recentemente, os protestos deixaram 411 mortos e 7.200 detenções arbitrárias, das quais 2.790 pessoas continuam presas.
Entre as vítimas, 17 eram agentes das forças de segurança e 20 eram crianças, representando respetivamente 4,2% e 5% do total de mortos.
“Polícia ainda não está preparada”
Nazário Muanambane admite que a polícia “teve de exceder no uso da força” face a grupos que considerou violentos e armados, mas reconhece que a corporação não está preparada para lidar com protestos desta dimensão.
“O problema não é físico nem material, é ideológico e psicológico. Moralmente, a nossa polícia não está preparada. Se algo semelhante acontecer de novo, os resultados podem ser ainda piores”, alertou.
O dirigente da Amopaip acrescenta que a polícia continua a ser vista como uma instituição militarizada e partidária, o que dificulta a sua relação com a sociedade. “Em alguns momentos, foi considerada uma força ao serviço de um partido político, e isso afetou a colaboração com a comunidade”, explicou.
A associação defende a criação de um programa governamental específico para restaurar a confiança entre a população e a polícia, de modo a evitar novos episódios de violência, destruição de infraestruturas policiais e mortes de agentes e civis.
Um ano após as manifestações, a ferida entre a polícia e os cidadãos continua aberta. O desafio agora, reconhece Muanambane, é reconstruir uma polícia apartidária, humana e preparada, capaz de garantir a segurança pública sem perder a confiança do povo que deve proteger.

