Uma investigação recente revelou indícios de um vasto esquema de sobrefaturação envolvendo a empresa Nova Cimangola, entre os anos de 2019 e 2023. Segundo documentos analisados, contratos com as empresas Andali, Transkamba e Techbelt terão servido como canais para o desvio de dezenas de milhões de dólares em fundos públicos.
Durante esse período, a Cimangola tornou-se um epicentro de operações financeiras altamente lesivas, marcadas pela aquisição de equipamentos com valores muito acima dos praticados no mercado. Os contratos, firmados com as três empresas mencionadas, levantam sérias dúvidas quanto à integridade das práticas de gestão da cimenteira.
A empresa Andali, uma das fornecedoras privilegiadas, vendeu à Cimangola 27 cavalos mecânicos e mais de 100 semi-reboques por um valor superior a 32 milhões de dólares. Estimativas apontam que cerca de 25 milhões desse montante correspondem a valores inflacionados. O colombiano German Carrillo, então director comercial da Nova Cimangola, é apontado como figura-chave na operacionalização deste esquema.
Um exemplo particularmente alarmante ocorreu em Outubro de 2022, quando a Cimangola comprou 11 semi-reboques por cerca de 453 milhões de kwanzas (à data, 1 milhão de dólares), o que representa aproximadamente 94 mil dólares por unidade. No entanto, a fabricante chinesa oferecia o mesmo equipamento a menos de 16 mil dólares por unidade, num total de apenas 172 mil dólares. Ou seja, a empresa estatal pagou quase seis vezes mais pelo mesmo produto.
No total, a aquisição de 60 semi-reboques custou à Cimangola 5,6 milhões de dólares — uma operação que poderia ter sido realizada por menos de 1 milhão, caso fosse feita de forma directa, sem intermediários.
Outro caso envolve a compra de um camião-bombeiro à empresa Andali, no valor de 200 mil dólares. Equipamento idêntico podia ser adquirido directamente ao fabricante por apenas 35 mil dólares.
Em resposta às acusações, a direcção da Nova Cimangola afirmou que “não existem indícios documentados de sobrefaturação” e defende que as empresas com as quais mantém relação comercial passam por “diversos sistemas de controlo interno”. A direcção acrescenta ainda que a companhia é auditada pela Deloitte e tem apoio da KPMG nas auditorias internas, sem que tenham sido apontadas irregularidades.
Em Junho deste ano, um ex-assistente do Conselho de Administração enviou ao Ministério da Indústria e Comércio uma denúncia formal, acompanhada de provas documentais sobre práticas de gestão danosas, nepotismo e favorecimento. A comunicação foi também endereçada ao Ministério das Finanças e à Coordenação Económica.
Na sua resposta, o ministro da Indústria, Rui Miguêns, reconheceu a sua responsabilidade sobre a unidade industrial, que é maioritariamente estatal, e garantiu a abertura de um processo de averiguação. Contudo, até à data, o denunciante afirma não ter recebido qualquer pedido de esclarecimento ou actualização por parte das autoridades.
Uma nova tentativa de contacto foi feita em Julho, com mais documentos anexados. No entanto, a ausência de resposta persiste, levantando dúvidas sobre a disposição do Executivo em agir perante as provas apresentadas.
O caso Nova Cimangola reflecte um padrão recorrente em algumas empresas públicas: a captura por interesses privados com a passividade, ou até cumplicidade, de quem deveria fiscalizá-las. Os indícios apresentados mostram um modelo de pilhagem institucionalizada, sustentado pela negligência das autoridades competentes.
A Procuradoria-Geral da República e o Serviço de Investigação Criminal são agora desafiados a agir. Não faltam provas — há contratos, facturas e comunicações internas que precisam apenas de ser seguidos com rigor. Para os trabalhadores da Cimangola e para os contribuintes, a justiça é uma exigência cada vez mais urgente.

