O anúncio público da pré-candidatura de Higino Carneiro à presidência do MPLA, feito mesmo após uma admoestação do presidente João Lourenço, marcou uma viragem inesperada na dinâmica interna do partido no poder em Angola. Embora seja improvável que Carneiro conquiste o apoio da maioria dos órgãos centrais do partido – como o Comité Central, o Bureau Político e o Secretariado – o general reformado parece contar com apoios informais significativos que desafiam a autoridade estabelecida.
Mais do que uma candidatura com reais hipóteses de vitória, o gesto de Higino Carneiro é visto por analistas como um fator de disrupção no seio do partido. A iniciativa enfraquece o princípio de autoridade de João Lourenço e abre espaço para questionamentos sobre a sua liderança. Uma metáfora usada nos bastidores descreve-o como a “pasta de dentes fora do tubo”: uma vez fora, é impossível voltar atrás.
As movimentações actuais relembram o cenário vivido durante o último Congresso do MPLA, em dezembro passado, quando a unidade demonstrada foi comparada a um castelo de areia prestes a ser destruído pela primeira onda. A rápida transição de apoio de José Eduardo dos Santos para João Lourenço ainda está fresca na memória, demonstrando a volatilidade das alianças partidárias.
A iniciativa de Higino Carneiro poderá servir de catalisador para outras candidaturas internas. António Venâncio já é apontado como um potencial concorrente, e o nome de Boavida Neto também tem sido referido nos meios políticos. Com ainda um ano até o Congresso de 2026, é possível que surjam várias alternativas à sucessão.
O cenário angolano evoca, com as devidas diferenças, o processo de escolha do candidato presidencial na FRELIMO, em Moçambique, em 2024. Naquele contexto, a escolha de Daniel Chapo foi antecedida por uma intensa disputa interna entre figuras como Roque Silva e Damião José, num ambiente marcado por fragmentação e ausência de consenso. A tentativa de equilibrar diferentes correntes através da inclusão de novos nomes revelou as dificuldades do partido em se renovar mantendo a sua coesão.
Embora a ascensão de Daniel Chapo tenha sido vista como uma solução de compromisso, o processo não conseguiu eliminar as tensões internas. A perceção de manipulação e a contestação dos resultados eleitorais por parte da oposição, liderada por Venâncio Mondlane, levaram a uma onda de protestos violentos após as eleições de outubro de 2024 em Moçambique.
Em Angola, as forças de defesa e segurança apresentam maior capacidade institucional, e o trauma da guerra civil contribui para uma cultura política mais avessa ao confronto. Ainda assim, os paralelismos não deixam de ser relevantes. No MPLA, o vazio deixado pela ausência de uma indicação clara de sucessão por parte de João Lourenço começa a ser preenchido por movimentações internas e estratégias paralelas.
Perante este cenário, restam duas alternativas principais para o partido. A primeira é uma intervenção direta e decisiva de João Lourenço, capaz de apresentar um nome e uma estratégia que consigam reorientar o debate e restaurar a coesão partidária. A segunda, mais democrática, seria a realização de eleições primárias internas, permitindo que os militantes escolham livremente o próximo candidato, legitimando-o desde a base.
Seja qual for o caminho escolhido, o MPLA enfrenta um período de incerteza e redefinição, cujo desfecho poderá marcar profundamente o futuro político do país.