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Jornalismo em Angola: uma profissão à beira da indigência

by REDAÇÃO

Em Angola, o jornalismo enfrenta uma das suas fases mais difíceis. Com salários baixos, condições precárias e poucas oportunidades de crescimento profissional, muitos jornalistas vivem à margem da dignidade, sendo comparados até mesmo a agentes de segurança mal remunerados. O cenário é preocupante, e os relatos vindos de profissionais da área apenas confirmam o colapso da valorização da classe.

Para Gonçalves Vieira, jornalista angolano, a situação é clara: a maioria dos profissionais da imprensa no país vive na pobreza extrema. “É inegável – muitos jornalistas angolanos vivem uma vida precária agravada com a crise económica. Muitos não têm casa própria, andam a pé, fazem enormes sacrifícios para manter a alimentação diária da família”, relata. Além disso, ele denuncia que a liberdade de imprensa está cada vez mais ameaçada, tornando o exercício da profissão ainda mais arriscado e desvalorizado.

Vieira também aponta o dedo ao executivo de João Lourenço, acusando-o de impedir a emergência de grupos económicos independentes que possam investir no setor da comunicação social. Essa barreira, segundo ele, limita severamente as oportunidades profissionais dos jornalistas, que acabam por ficar à mercê de um sistema controlado politicamente.

A precariedade empurrou muitos profissionais a desistirem da carreira. É o caso de Agostinho Cayola, que deixou de exercer o jornalismo devido às condições indignas. Para ele, o problema não é a falta de recursos nas instituições, mas sim a ausência de valorização profissional: “O jornalista já não precisa provar o quanto o seu trabalho é valioso. Só que as mentes dos que contratam já têm um teto de valorização”.

Cayola afirma ainda que a carência leva alguns profissionais a práticas antiéticas, como receber pagamentos de fontes para publicar ou destacar determinadas informações. “Isso é um erro grave, mas infelizmente é a realidade de quem está financeiramente encurralado”, lamenta.

O analista Manuel Pedro reforça a crítica, classificando a condição atual dos jornalistas como “indigência institucionalizada”. Ele traça um paralelo com outras categorias profissionais do setor público, como juízes ou funcionários do Ministério das Finanças, que recebem salários ajustados à responsabilidade dos seus cargos. “Entendeu-se que sejam convenientemente remunerados para os dignificar e impedir violações de conduta”, observa.

Mas quando se trata dos jornalistas, a lógica parece não se aplicar. “O que esperar de um profissional com um código de conduta rígido, mas que recebe um salário que mal cobre suas necessidades básicas?”, questiona Manuel Pedro. E responde: “Precariedade, apesar da vocação”.

A consequência desse cenário é inevitável: a perda de qualidade no jornalismo angolano. Profissionais mal pagos, sobrecarregados e desmotivados não conseguem cumprir os princípios éticos e técnicos da profissão. Segundo Pedro, o sistema atual favorece um jornalismo frágil, facilmente manipulado pelo poder econômico e político, justamente por explorar as vulnerabilidades sociais dos jornalistas.l

O alerta lançado por jornalistas e analistas revela um problema estrutural que vai além da comunicação social. Trata-se da negação da dignidade a uma profissão essencial para o funcionamento democrático de qualquer país. Em Angola, o jornalismo parece travar uma luta pela sobrevivência — uma batalha desigual contra o desinteresse institucional, a pobreza e o silenciamento.

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