Em meio ao conflito persistente na Faixa de Gaza, um documento obtido pela Euronews revela os contornos de uma possível estratégia israelita para governar o território em um cenário pós-Hamas. Elaborado em dezembro de 2023 por dois importantes grupos israelitas — o Fórum de Defesa e Segurança de Israel e o think tank Jerusalem Center for Public Affairs — o plano propõe uma abordagem radical para a reconstrução de Gaza, centrada na segurança, desmilitarização e um novo modelo de administração civil.
O estudo, intitulado “Gaza Security and Recovery Program”, projeta a criação de uma nova entidade governativa, sob liderança militar israelita inicial, com foco na reconstrução e “reeducação” da sociedade palestiniana. A proposta não contempla soberania palestiniana, nem o envolvimento da Autoridade Palestiniana (AP) ou da agência da ONU para refugiados palestinos (UNRWA).
Segundo o documento, o Hamas seria completamente desmantelado, seguido da imposição de uma espécie de “lei marcial” durante um período de transição, que pode durar até um ano. Durante esse tempo, as Forças de Defesa de Israel (FDI) assumiriam o controle total da região, incluindo a fronteira com o Egito, e iniciariam a implementação de uma zona tampão — já em andamento em algumas áreas.
O plano divide-se em três fases principais:
- Estabilização militar e controle total da Faixa de Gaza – Nesta etapa, Israel manteria o comando absoluto, controlando a segurança, os acessos e os serviços essenciais.
- Criação de conselhos administrativos locais – Dividindo Gaza em cinco zonas (Norte, Cidade de Gaza, Centro, Khan Yunis e Rafah), esses conselhos seriam compostos por representantes não ligados a grupos militantes. Eles teriam que aceitar a existência do Estado de Israel e implementar uma reforma educacional rigorosa, parte de um processo chamado de “desnazificação”.
- Possível autodeterminação – Apenas após a eliminação completa do Hamas e a estabilização da região, o plano prevê a possibilidade de a população local escolher seus próprios representantes. Porém, esta etapa é vaga e condicional à aceitação plena de Israel como Estado-nação do povo judeu.
O plano prevê a criação de uma Direção Internacional de Gestão (DIG), responsável por supervisionar a ajuda humanitária, a reconstrução e o funcionamento dos conselhos administrativos. Essa estrutura incluiria países aliados, como Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, França, Itália, e algumas nações árabes sunitas, como Egito, Emirados Árabes Unidos e Bahrein. A União Europeia, contudo, é amplamente criticada no documento e excluída do processo, com exceção de alguns países específicos.
Desde março, o fluxo de ajuda humanitária para Gaza tem sido severamente restringido, o que levou a ONU a descrever a situação como uma catástrofe humanitária. O plano israelita propõe que toda ajuda seja gerida sob controle direto ou indireto de Israel, excluindo organizações como a UNRWA, acusadas por Israel de favorecer o Hamas.
Organizações internacionais alertam que esta proposta pode colocar civis e trabalhadores humanitários em risco, dificultar o acesso a ajuda e intensificar deslocamentos forçados. Ainda assim, o documento afirma que Israel poderia implementar todo o plano sozinho, mesmo sem ampla cooperação internacional.
O plano não é oficial nem definitivo, mas representa um cenário real em análise pelo governo israelita, conforme confirmado por fontes governamentais e parlamentares. A proposta reafirma o objetivo central de Israel: erradicar o Hamas e reformular Gaza segundo critérios próprios de segurança e governança. No entanto, levanta questões cruciais sobre soberania, direitos humanos e o papel da comunidade internacional na reconstrução de Gaza.