Nos últimos anos, o cenário político angolano tem mostrado sinais de uma transformação silenciosa, mas profunda. Um novo relatório da CEDESA — Centro de Estudos para o Desenvolvimento Económico e Social de África — levanta uma tese provocadora: o “direito a governar” tradicionalmente associado ao MPLA já não encontra respaldo nas condições atuais do país. E, segundo os especialistas, isso é apenas o começo.
Durante décadas, a autoridade do MPLA foi justificada com base na sua liderança durante a luta de libertação e vitória na guerra civil. Contudo, o relatório da CEDESA argumenta que esse tipo de legitimidade perdeu força, especialmente diante de uma nova realidade social: uma população economicamente ativa que paga impostos e exige resultados.
Esse grupo, formado principalmente por trabalhadores e pequenos empresários que não dependem de subsídios estatais — como os de combustíveis — começa a perceber que sustenta financeiramente o Estado. E com essa consciência vem a exigência por representatividade e participação mais efetiva nos rumos do país.
“A conexão entre quem governa e quem é governado precisa se aprofundar”, afirma o estudo.
As eleições previstas para 2027 são vistas como um ponto de virada. Pela primeira vez desde o fim da guerra civil, a escolha de líderes poderá ser impulsionada não por memórias do passado, mas por demandas econômicas e sociais do presente. Em um país onde mais de 21 milhões de pessoas têm menos de 25 anos — ou seja, não viveram nem a luta de independência nem o conflito armado — a narrativa da guerra já não sustenta mais o discurso de autoridade.
O que essa nova geração quer? Oportunidades, estabilidade, crescimento. E, principalmente, uma liderança que represente seus interesses reais.
A CEDESA também destaca outro ponto-chave: o número crescente de cidadãos registrados para pagar impostos, que já ultrapassa os 5,5 milhões. Esse dado é simbólico. Afinal, ao contribuir com o funcionamento do Estado, os cidadãos angolanos exigem, com razão, que sua voz seja levada a sério.
Historicamente, o pagamento de impostos sempre esteve ligado à consolidação de direitos democráticos e ao surgimento de Estados modernos. Em Angola, esse processo começa a emergir de forma visível, especialmente à medida que o governo, seguindo orientações do FMI, elimina subsídios e tenta ampliar sua base tributária.
No passado, o Estado angolano sustentava-se em grande parte pelas receitas do petróleo, o que tornava o cidadão comum quase irrelevante no equilíbrio financeiro do país. Hoje, essa realidade mudou: o governo precisa da contribuição dos cidadãos para manter o país funcionando.
Essa virada quebra o modelo anterior de dependência do Estado e reposiciona o povo como protagonista. E se o Estado agora precisa do povo, então o povo terá, inevitavelmente, mais poder sobre o Estado.
O debate sobre quem tem o direito de governar Angola não pode mais se apoiar em conquistas do passado. O país está diante de uma nova era, em que a legitimidade será construída a partir da participação econômica e política ativa da população. Os próximos anos serão decisivos para entender como esse novo equilíbrio se consolidará — e quem estará preparado para representar essa nova Angola.