“Quem dentre vós estiver sem pecado, atire a primeira pedra.” Essas palavras, atribuídas a Jesus Cristo, surgem no contexto de uma defesa vigorosa de Maria Madalena, que estava prestes a ser apedrejada por acusação de adultério. Tal ensinamento bíblico ressoa em um momento delicado vivido por Patrícia Faria, a cantora, jornalista e jurista de 42 anos, que atualmente preside o Conselho de Disciplina (C de D) da Federação Angolana de Futebol (FAF).
Nos últimos dias, Patrícia Faria tem sido alvo de uma verdadeira tempestade de críticas e ataques. Sua liderança no C de D resultou em uma decisão polêmica que suspendeu o Clube Atlético Petróleos de Luanda de todas as atividades futebolísticas por dois anos, além de impôr uma multa ao Clube Desportivo 1.º de Agosto. Essas deliberações geraram uma onda de descontentamento, com muitos pedindo a “cabeça” de Faria, comparando-a com os fariseus da história bíblica que buscavam a condenação implacável de outros. No entanto, é preciso considerar o contexto e as responsabilidades envolvidas.
Primeiramente, é importante frisar que o Conselho de Disciplina da FAF é um órgão colegiado, o que significa que as decisões não são tomadas de forma unilateral. Portanto, qualquer acusação de que Patrícia Faria tenha agido sozinha ou de maneira autoritária é infundada. As punições aplicadas aos clubes como Petro de Luanda e 1.º de Agosto, dois gigantes do futebol angolano, são inéditas, mas refletem a coragem de um Conselho que não se deixou intimidar por pressões externas. Ao contrário do que muitos podem pensar, o futebol angolano não será abalado por essas decisões. Se o Juventus, na Itália, por exemplo, foi rebaixada por práticas ilegais e sobreviveu, o mesmo pode acontecer com os clubes angolanos, caso as instâncias superiores da FIFA ou da FAF confirmem as punições.
O que está em jogo não é apenas a integridade do futebol, mas também o tratamento desigual que clubes poderosos como Petro e 1.º de Agosto, por muito tempo, tiveram no cenário esportivo. Durante anos, esses clubes se acostumaram com um tratamento de privilégio, algo que se refletiu na gestão e no comportamento de seus dirigentes. Mesmo no governo de José Eduardo dos Santos, figuras como Bento Kangamba, com seu Kabuscorp, agiram como se fossem intocáveis, sem serem responsabilizados por eventuais excessos.
Patrícia Faria, ao liderar o C de D, mostrou-se corajosa ao desafiar essa tradição, impondo punições duras, mas necessárias para manter a integridade do esporte. Ela não deve ser atacada ou vilipendiada por isso. Sua postura deve ser vista como uma tentativa de mudança, uma busca por um futebol mais justo e transparente em Angola.
A pressão contra Faria, no entanto, não é apenas uma questão de defesa dos clubes afetados. Há uma forte dose de misoginia e machismo por trás dessa campanha. A reação agressiva de muitos em relação a Faria reflete, infelizmente, um padrão comum em sociedades patriarcais, onde mulheres em posições de poder enfrentam resistência e hostilidade simplesmente por estarem ocupando o espaço que lhes é devido. Comparar a gestão de Faria à de seus antecessores não alivia em nada essa crítica. Ao contrário, revela que as atitudes misóginas e machistas são o que realmente precisam ser questionadas.
Em vez de apedrejar Patrícia Faria, seus detratores deveriam se lembrar das palavras do Presidente João Lourenço, que afirmou: “Ninguém é suficientemente rico que não possa ser punido, ninguém é pobre demais que não possa ser protegido.” Faria, como qualquer ser humano, pode ter cometido erros ou falhas em sua atuação, mas é por meio das instâncias de recurso que esses excessos podem ser corrigidos. Não é justo, nem razoável, que ela seja submetida a uma campanha de linchamento, especialmente quando muitos dos que a atacam carregam em seus próprios currículos comportamentos que não são nada recomendáveis.
Esta reflexão não tem a intenção de defender uma amiga ou familiar, como alguns poderiam pensar. A autora deste texto não tem qualquer vínculo pessoal com Patrícia Faria. Pelo contrário, a observação é feita com base na análise do comportamento injusto e na busca por um debate mais equilibrado e justo. É fundamental que a sociedade angolana, em especial no contexto esportivo, aprenda a separar as críticas construtivas da intolerância e do preconceito, e que as decisões, sejam elas certas ou erradas, sejam analisadas com o devido respeito às instâncias competentes.