A recente decisão do Reino Unido de congelar os bens de Isabel dos Santos, considerada fruto de origens ilícitas, trouxe à tona uma questão recorrente: a postura da justiça portuguesa em relação a figuras como a empresária angolana, envolvida em uma série de investigações por corrupção e crimes financeiros. O que está realmente por trás da inação das autoridades de Portugal?
Em novembro de 2022, a Interpol emitiu um mandado de captura internacional para Isabel dos Santos, mas até hoje, a justiça portuguesa não tomou medidas decisivas semelhantes às do governo britânico, que, além do congelamento dos bens, proibiu sua entrada no país. Em contraste, Portugal parece ter adotado uma postura de cautela ou até de proteção, algo que não passa despercebido para analistas e ativistas, como João Paulo Batalha, vice-presidente da Frente Cívica.
Segundo Batalha, as autoridades portuguesas têm demonstrado um comportamento de “proteção” em relação a Isabel dos Santos, o que inclui, por exemplo, a forma como lidaram com a nacionalização de sua empresa EFACEC, uma multinacional portuguesa que enfrentava uma falência iminente. O ativista considera que, em vez de tomar ações contra a empresária, como poderia ser esperado em um caso de tal gravidade, Portugal poupou Isabel dos Santos dos “custos de uma falência”, o que só aumenta a sensação de que há uma rede de apoio a agentes econômicos suspeitos no país.
A crítica se estende não apenas à falta de ação quanto ao caso de Isabel dos Santos, mas também a outros processos envolvendo suspeitas de crimes financeiros de angolanos. Para Batalha, as autoridades portuguesas, em sua maioria, parecem não ter a vontade política necessária para conduzir essas investigações de maneira eficaz.
Outro exemplo citado é o “Processo Manuel Vicente”, que envolveu acusações de suborno contra o procurador português Orlando Figueira, mas que acabou sendo julgado em Angola, sem que as autoridades portuguesas tivessem levado o caso adiante. Esse tipo de morosidade e falta de iniciativa nas investigações levanta sérias questões sobre a imparcialidade do sistema judicial português quando se trata de investigar casos de corrupção envolvendo figuras angolanas de peso.
No entanto, o jurista angolano Eliseu Gonçalves, ouvido pela DW, traz uma perspectiva diferente. Para ele, a apreensão de bens em Portugal depende de um processo judicial claro e fundamentado, que assegure a legalidade das ações. Gonçalves destaca que, enquanto não houver uma decisão judicial definitiva, os bens de Isabel dos Santos não podem ser apreendidos de forma definitiva. Segundo o especialista, Portugal, assim como o Reino Unido, aguarda o desfecho das investigações antes de tomar qualquer ação mais drástica.
Gonçalves também reflete sobre a ideia de que o “império” de Isabel dos Santos estaria desmoronando. Para ele, trata-se de uma visão equivocada. “Não se trata de desmoronamento do império”, afirma, explicando que um império construído com base em práticas ilícitas e fraudulentas não pode ser considerado um verdadeiro império. Segundo o jurista, a realidade é que este império nunca existiu, pois faltou a ele a base da legalidade e da honestidade.
Em relação ao risco de prescrição dos processos contra Isabel dos Santos, Gonçalves ressalta que, para que haja uma acusação, é preciso apresentar provas concretas. E, caso a investigação não avance dentro de um prazo legal, a lei estabelece limites para a conclusão dos processos, o que pode beneficiar a defesa da empresária.
No centro desta disputa, o governo angolano e organizações da sociedade civil, como as ONGs Omunga e Mãos Livres, pedem a devolução do patrimônio de Isabel dos Santos ao Estado angolano. Essas organizações pressionam para que o sistema judiciário português tome uma postura mais assertiva, alinhada com os esforços do país em combater a corrupção e garantir justiça para os cidadãos angolanos afetados pelos crimes financeiros.
Em resumo, enquanto a justiça portuguesa segue em um ritmo lento e muitas vezes protetor, outros países, como o Reino Unido, adotam medidas mais rígidas. A questão permanece: até quando Portugal irá proteger agentes econômicos suspeitos, e quando tomará medidas mais concretas para resolver esses casos de corrupção internacional?