Fonte: Club-k.net

A vontade de Ruy Correia de Freitas viria a ser atendida. Do cabeçalho do primeiro número do “Jornal de Angola”, o novo título, posto na rua no dia 1 de Julho de 1975, faziam parte dois elementos, ambos consubstanciando a pretendida continuidade: 16.083, número da edição; LII, ano de publicação. A reprodução na primeira página do ofício da Secretaria de Estado da Comunicação Social, dando conta do despacho do “camarada ministro da Informação” (Manuel Rui Monteiro) que autorizara a mudança, parecia valer como um atestado da legalidade do processo.

O “Jornal de Angola” é o meu jornal – meu com o mais forte sentido de posse que se pode dar ao termo. Foi lá que como estagiário me iniciei na profissão, passando por todas as “tarimbas” pelas quais se entendia que um novato devia passar para ganhar experiência e dessa forma aprimorar o sentido profissional e a dedicação com que ela precisava de ser exercida. Do rol de datas marcantes da minha vida faz parte a de 1 de Agosto de 1971 – aquela de há 53 anos em que pela primeira vez me sentei a uma secretária da Redacção daquele jornal.

Apesar de constituir um prolongamento do jornal primitivo, até por afinidades como a de conservar intacto o título e de ter por sede as mesmíssimas instalações, apenas ampliadas pela junção de dois edifícios situados à ilharga, o “Jornal de Angola” dos nossos dias atribui-se um tempo de vida de 48 anos, medido em função de algo seguramente inédito como elemento inspirador da datação de um jornal. O dia 26 de Junho de 1976, erigido em momento inicial da vida do jornal, foi simplesmente aquele em que então presidente de Angola, Agostinho Neto, visitou as instalações do jornal.

A redução a 48 anos dos 100 que o jornal de facto tem – foi fundado a 15 de Agosto de 1923 – cheira a manifestação da “visão coitada” que o regime do MPLA tem da história de Angola. A história ao partido pertence – é o que essa visão “orienta” em nome do velho princípio marxista que manda suprimir, distorcer e manipular a história sempre que isso serve os superiores desígnios e conveniências do partido, entre eles o de se apresentar como princípio e fim de tudo.

É a resquícios desta “escola” que associo a realidade representada pela forma como o “Jornal de Angola”, investido nos seus 48 anos, risca da sua história o tempo colonial, com isso deixando-me a mim ante o incómodo de me ver perante uma supressãio de parte do meu passado. Pior ainda. Como num passe de mágica, é “cancelada” parte decisiva da história do jornal – aquela que vai dos seus quebradiços começos (à carolice do seu fundador, o luandense António Correia de Freitas, não correspondiam suficientes cabedais), até à sua afirmação, na década de 70, como um dos mais importantes jornais do então espaço português, o primeiro a ser impresso em offset e a cores.

E era tão simples seguir o exemplo do Notícias de Maputo (antes, de Lourenço Marques) que hoje em dia se ufana dos seus 90 anos de vida, achados com base numa data da década de trinta do tempo colonial em que foi fundado. Ou até o a Polícia de Cabo Verde que conta o seu tempo de existência a partir de um momento de há mais de 150 anos em que uma esquadra policial foi aberta na cidade da Praia.

Quando em 2025 Angola atingir 50 anos como nação independente, terá atrás de si mais de 400 anos de período colonial, ao longo dos quais se foi formando o Estado herdado pela nação independente – nos seus principais elementos constitutivos, território, fronteiras e múltiplos traços da sua identidade, entre os quais a língua. A história nacional de Angola, contada sem reduções políticas ou outras, preconceituosas, é a soma dos vários períodos por que passou. Ignorar, relativizar ou distorcer qualquer deles chama-se “falsificar a história”.