A gráfica Printer Portuguesa está a cometer lock-out, uma ilegalidade punida por lei. 120 trabalhadores não receberam o salário de abril. A gráfica é propriedade de Álvaro Sobrinho. O ex-presidente do BES Angola tem bens arrestados em Portugal mas fatura milhões noutros países.
“Estes trabalhadores estão a pagar pelos processos judiciais do proprietário?”, questionou Mariana Mortágua esta quinta-feira, à porta da Printer Portuguesa, onde os trabalhadores protestam contra o encerramento da gráfica e a falta de pagamento do salário no mês passado. A administração liderada por Álvaro Sobrinho alega dificuldades no cumprimento dos compromissos com os fornecedores, falta de matérias-primas e de encomendas. Os trabalhadores foram deixados num limbo: nem foram despedidos nem podem trabalhar, nem estão sequer enquadrados pelas medidas de proteção social previstas para casos de salários em atraso.
Para Mariana Mortágua, “estes trabalhadores, como sucede noutras empresas, estão a pagar pelos atos de uma elite ligada ao regime de José Eduardo dos Santos, à cleptocracia, que usou Portugal para lavar o seu dinheiro, comprou aqui empresas boas, empresas importantes, e que agora estão a pagar pelos crimes cometidos pelos seus donos”.
Para a coordenadora bloquista, “não podemos ter 120 pessoas, famílias inteiras muitas vezes, que de um momento para o outro não sabem se têm posto de trabalho, não têm salário e não conseguem sequer aceder ao subsídio de desemprego, que é seu direito”. O Bloco questionou o Governo para acelerar a resposta a estes trabalhadores e garantir quu a lei é cumprida. “Quanto mais pessoas souberem o que está a passar na Printer com estes trabalhadores, mais depressa este caso pode ser resolvido”, concluiu.
Quem é Álvaro Sobrinho?
Álvaro de Oliveira Madaleno Sobrinho nasceu em 1962 em Luanda e é neto e bisneto de comerciantes portugueses que desembarcaram em Angola, o primeiro ainda no século XIX, pode ler-se no perfil publicado pelo Expresso. Avô e pai tornaram-se funcionários da Câmara de Luanda. Após a independência, o pai, que era fiscal da Câmara num mercado municipal, abriu ali dois talhos e uma pastelaria.
Álvaro veio para Portugal aos 17 anos mas só entrou na universidade aos 22, terminando o curso de Matemática – Ciências Atuariais seis anos depois, com média de 12. Em 1990, concorreu a um emprego no BESCL, então ainda público e ficou como técnico atuarial na Multipensões, que geria o fundo de pensões do banco. No ano seguinte, na privatização, a família Espírito Santo retoma a propriedade do banco, já sob o comando de Ricardo Salgado. Sobrinho mantém-se no posto. Regressa a Angola no ano 2000 para ajudar o Grupo Espírito Santo a gerir o fundo de pensões dos ex-combatentes e ali faz amizade com Hélder Bataglia, empresário português que cresceu em Benguela e na altura presidia à Escom, do grupo BES. Quando o BES consegue uma licença para abrir um banco em Angola, Álvaro Sobrinho é escolhido para CEO, apesar de nunca ter trabalhado na área da banca.
Como se tornou milionário?
À frente do BESA a partir de 2001, o crescimento da atividade financia os investimentos da Escom em Angola. 20% do capital do banco é entregue a uma empresa controlada por Isabel dos Santos, filha de José Eduardo, e pelo general Dino, testa de ferro do então presidente. Em 2006, Sobrinho cria uma empresa, a Anjog, adquirindo dezenas de imóveis em Luanda. Segundo as contas encontradas no BESA após a saída de Sobrinho, aquela empresa terá recebido 109 milhões de dólares em transferências não justificadas por parte de entidades – cujos beneficiários se desconhecem – a quem o BESA tinha emprestado 1600 milhões sem garantias. Noutras empresas criadas por Sobrinho, o financiamento do BESA ascendeu a mais de 300 milhões de dólares, como foi o caso da Marina Baía, cujo capital incluiu outra filha do presidente (Tchizé dos Santos).
Dentro do BESA, a concessão de crédito a empresas estava a cargo da cunhada de Sobrinho, Lígia Madaleno. Em 2008, uma ordem do Banco Nacional de Angola impediu a ligação entre as bases de dados do BESA e os sistemas informáticos da sede em Lisboa, dificultando o controlo das operações a partir de fora. Sobrinho monta dezenas de empresas em offshores e abre vinte contas no Credit Suisse. Com Hélder Bataglia e três funcionários do banco suíço UBS, funda uma empresa de gestão de fortunas naquele país, a Akoya, que poucos anos depois ganhou fama com a operação Monte Branco. A investigação descobriu 180 milhões de euros depositados em contas de Sobrinho na Suíça com origem em operações com o BESA envolvido. Com esse dinheiro, Sobrinho comprou apartamentos de luxo no empreendimento Estoril-Sol, um solar em Marco de Canavezes, além da maioria de capital das conservas Bom Petisco e Pitéu, do grupo editorial Babel ou da gráfica Printer Portuguesa. Através da sua empresa Newshold, comprou também os jornais “Sol” e “i”, que entretanto vendeu, e esteve na corrida à privatização da RTP. O nome de Sobrinho também está associado ao futebol, após ter convertido em ações os seus créditos sobre a SAD do Sporting. A sua holding Holdimo passou a controlar 26% do capital do clube.
As investigações judiciais levam ao afastamento de Sobrinho da liderança do BESA e ao conflito com Ricardo Salgado. A gestão seguinte, liderada por Rui Guerra, contabilizou créditos de 5700 milhões em créditos a figuras do regime. De acordo com um consórcio de jornalistas, o próprio Sobrinho terá recebido do BESA 615 milhões de dólares, além de levantamentos de 63 milhões de dólares em dinheiro. Dos empréstimos do BES ao BESA, que em 2013 ascendiam a 3.300 milhões de euros, apenas foram reconhecidos 660 milhões. “Ou seja, no total e se tudo correr bem, a aventura angolana de Salgado & Sobrinho redundou num buraco de mais de 2.800 milhões de euros”, concluía Mariana Mortágua após os trabalhos da comissão parlamentar de inquérito ao BES.
Em 2015, o juiz Carlos Alexandre determinou o arresto de 80 milhões de euros em contas bancárias e mais de 20 imóveis de luxo em nome de entidades detidas em Portugal por Sobrinho e pela sua família, decisão depois revertida pelo juiz Rui Rangel (entretanto afastado na sequência da “Operação Lex”, em que foi acusado de receber subornos em troca de decisões favoráveis).
Em Portugal, Sobrinho é arguido pelos crimes de abuso de confiança agravado, de burla qualificada e de branqueamento agravado no processo do BES Angola. No início do ano passado, o Tribunal da Relação de Lisboa manteve o arresto dos seus bens, considerando que o prazo de prescrição dos crimes foi interrompido em outubro de 2015 com a sua constituição como arguido. O Ministério Público suspeita que Sobrinho se terá apropriado de 399 milhões de euros do BESA.
Em 2019, anos depois da queda do BES e da substituição de José Eduardo dos Santos no poder em Luanda, o ex-banqueiro responsabilizou os generais Dino e Kopelipa pelo “assalto” que o afastou do banco, indicando serem eles os beneficiários dos créditos. No ano anterior, Sobrinho disse ao Expresso ter negócios espalhados pelo mundo, do Quénia e Etiópia até à Indonésia e Reino Unido. Criou na Suíça outra empresa de gestão de fortunas, a Signet, para gerir os seus investimentos imobiliários e estava a tentar abrir um banco de investimento na África do Sul.
Na altura, Sobrinho era notícia nas Ilhas Maurícias, onde adquiriu dezenas de habitações no condomínio de luxo Royal Park e investiu na banca e imobiliário. A influência de Sobrinho na política local levou à demissão da Presidente da República, Ameenah Gurib-Fakim, na sequência de um escândalo de compra de joias e bens de luxo com um cartão de crédito do Planet Earth Institute, fundação criada por Sobrinho com o objetivo anunciado de promover a ciência em África. Um antigo secretário da Presidência, Dass Appadu, era membro da fundação e administrador da Vango Properties, outra empresa de Sobrinho no país, onde muitas figuras ligadas à política passaram a conduzir carros de luxo pagos pelo empresário. Em declarações à televisão pública angolana após ter sido interrogado durante seis dias por uma comissão independente anti-corrupção, o empresário prometeu desinvestir das Ilhas Maurícias e aplicar o dinheiro em Angola.
Em 2022, ouvido novamente pelo juiz Carlos Alexandre, Sobrinho declarou ser presidente não executivo do banco Valor e da Marina Baía, em Luanda, e acionista maioritário das empresas Redcliff e da gráfica Printer. É ainda acionista na Suíça da Signet Asset Management e de uma empresa de energia geotermal no Reino Unido, detendo ainda uma participação no banco sul-africano VBS, então em processo de insolvência. Esclareceu ainda que, em 2021, ganhou entre 5 e 6 milhões de euros decorrentes de negócios imobiliários e aplicações financeiras. Na Suíça, onde tem residência fiscal, a justiça já levantou o arresto de propriedades e contas bancárias suas.
O processo do BES Angola arrasta-se há 14 anos e a defesa de Sobrinho tem alegado que os processos semelhantes em Angola e Suíça acabaram arquivados. No próximo dia 3 de junho ficará a saber se irá ou não a julgamento, com a realização do debate instrutório onde a decisão será tomada.