Por JORNALISTA ANA JENÁRIO
Entre promessas recicladas e um discurso extenso que mais uma vez falhou em tocar as feridas reais da Nação, o Presidente da República, João Lourenço, fez uma breve pausa para reconhecer as mulheres. Foi um minuto — literalmente — em mais de três horas de exposição parlamentar.
Nesse intervalo simbólico, o Chefe de Estado tentou erguer um tributo à força e à competência das mulheres angolanas. Disse, com convicção, que elas “já não têm nada a provar quanto à sua capacidade e quanto à sua importância na sociedade”. A plateia aplaudiu. Mas cá fora, a realidade sufoca. Para muitas mulheres, essas palavras soaram mais como ironia do que homenagem. Soaram como um silêncio ensurdecedor disfarçado de palmas protocolares.
Enquanto João Lourenço exaltava a mulher angolana no parlamento, cá fora, nos becos, nas ruas, nos hospitais e nas celas, milhares continuam a viver em condições que desmentem cada palavra proferida naquele palanque.
De que mulheres falava o Presidente? Das que são diariamente vítimas de violência sexual e doméstica, enquanto processos se arrastam nos tribunais e a proteção estatal continua morna e ineficaz? Das Zungueiras perseguidas, espancadas e roubadas por agentes públicos enquanto tentam sustentar os seus filhos com dignidade? Das mães que perdem filhas e filhos para balas perdidas — ou “encontradas” — disparadas pela própria polícia nacional? Ou estaria a referir-se à sua vice-presidente, reduzida a figura decorativa e sem poderes reais mesmo quando deveria assumir interinamente o comando da nação?
A retórica do poder costuma vestir-se bem nos discursos. Mas reconhecimento verdadeiro exige mais que minutos enfeitados de palavras bonitas. Exige políticas públicas eficazes, orçamentos direcionados, segurança, saúde, justiça — e sobretudo, vontade política. Exige ação.
Prometer o Prémio Nacional Mulher de Mérito é, sem dúvida, um gesto simbólico. Mas é só isso: um gesto. Um prémio não resolve a insegurança nas ruas. Um troféu não protege mulheres em risco. Uma placa dourada não substitui o direito de existir com dignidade. O reconhecimento que as mulheres angolanas precisam não cabe numa cerimônia anual — precisa ser vivido todos os dias, nas decisões do Executivo e nas prioridades do Estado.
É possível que o Presidente tenha sido sincero. É possível que tenha querido inspirar. É possível que acredite, de fato, naquilo que disse. Mas o problema é que as mulheres angolanas já estão cansadas de viver no campo das possibilidades. O “talvez” já não serve.
Porque talvez algum dia sejamos respeitadas. Talvez algum dia sejamos protegidas, ouvidas, valorizadas. Talvez, como deseja o Presidente, sejamos plenamente reconhecidas como pilar essencial da sociedade.
Mas hoje, não.

