Nos últimos meses, manifestações têm ocorrido em várias partes de Angola, algumas com grande adesão e impacto, outras mais modestas. Embora seja difícil tirar conclusões definitivas sobre o futuro político do país, alguns elementos comuns entre esses protestos são claros: eles se concentram em questões socioeconômicas, como o alto custo de vida, a pobreza e a precariedade das condições de sobrevivência. Ao contrário de movimentos anteriores, que se opunham a resultados eleitorais, as atuais manifestações refletem um descontentamento concreto com a realidade do dia a dia dos cidadãos angolanos.
Um dos aspectos mais notáveis é a presença massiva de jovens nas ruas. Uma geração que, embora não tenha vivido a guerra, sofre com a falta de oportunidades de emprego, com a frustração de um sistema educacional que não oferece perspectivas reais e com a desigualdade econômica crescente. Enquanto as elites parecem prosperar em luxos no exterior, a juventude se vê relegada à marginalidade, em uma luta diária pela sobrevivência.
Apesar de algumas dessas manifestações serem orquestradas por grupos ou organizações específicas, há também uma parte significativa que pode ser considerada um movimento orgânico, resultado do descontentamento profundo da população. O apoio nas redes sociais também tem sido expressivo, embora, como demonstrado em outras partes do mundo, isso nem sempre se traduza em mudanças concretas. No entanto, o engajamento digital é um claro reflexo do crescente mal-estar social.
No âmbito político, a resposta do governo angolano tem sido insatisfatória para muitos. Durante a presidência de José Eduardo dos Santos, o MPLA havia estabelecido um pacto com a população após a vitória na guerra, onde o partido se comprometeria a governar sem grandes contestações, oferecendo em troca o desenvolvimento do país. No entanto, esse pacto começou a ruir por volta de 2015/2016, quando as promessas de crescimento econômico não se materializaram.
João Lourenço, ao assumir a presidência, tentou retomar essa ideia de um “pacto” com o povo, afirmando querer ser o “Deng Xiao Ping de Angola”, prometendo reformas econômicas que garantiriam a prosperidade. Contudo, o que se observa hoje é uma crescente insatisfação popular, pois, para muitos, o desenvolvimento prometido nunca chegou. Embora haja dados que indiquem melhorias no desempenho econômico e na construção de infraestrutura, a percepção predominante é de que os benefícios dessa recuperação não chegaram à grande maioria da população.
A situação lembra os anos finais da China sob o regime de Mao Tsé-Tung, quando a insatisfação popular culminou nos protestos de Tiananmen em 1989. Esses eventos resultaram em um massacre de estudantes, mas também forçaram o governo chinês a acelerar suas reformas. No entanto, em Angola, o clima é de uma revolta ainda não contida, mas que aponta para a necessidade urgente de mudanças estruturais.
Nesse contexto, a atual fase política em Angola se assemelha a um momento “pré-Tiananmen”, em que a população, cansada das promessas não cumpridas, exige uma verdadeira reforma econômica e uma redução das desigualdades sociais. O governo, no entanto, parece não estar ouvindo. A questão que se coloca é: os líderes do MPLA estão cegos e surdos diante do clamor popular? O governo, aparentemente, segue uma rota definida sem perceber que a realidade exige um novo caminho.
Internamente, o MPLA vive um período de forte divisão, com disputas sobre as candidaturas à presidência do partido. Enquanto figuras antigas são recicladas, novas personalidades surgem sem um projeto claro para o desenvolvimento do país. As tentativas de mobilização das bases, embora dinâmicas, parecem seguir fórmulas antigas que não conseguem mais ressoar com a população. Além disso, a adoção de políticas do Fundo Monetário Internacional (FMI) tem sido vista como uma solução temporária, sem impacto real para um desenvolvimento sustentável de longo prazo.
A imagem dos dirigentes também tem se distanciado ainda mais da realidade do povo. Ao exibirem luxos e ostentarem uma vida de riqueza em contraste com as dificuldades da população, acabam criando um abismo psicológico entre o governo e aqueles que mais necessitam. O povo, que os elegeu, sente-se cada vez mais afastado das elites governantes, que parecem viver em um universo paralelo.
Entre os exemplos de promessas não cumpridas está a meta de criação de 500 mil empregos até o final da legislatura, anunciada por João Lourenço em 2017, que nunca se concretizou. O Plano de Apoio à Promoção de Emprego (PAPE), lançado em 2019 com um orçamento de 58 milhões de euros, enfrentou sérios obstáculos como corrupção, má gestão e uma capacidade limitada do setor produtivo para absorver mão de obra. Em 2025, o governo anunciou um novo projeto, agora com o apoio do Banco Mundial, com uma meta reformulada para 2029.
No setor de infraestrutura, grandes promessas também não foram cumpridas. O metro de superfície de Luanda, avaliado em 3 bilhões de dólares, deveria ter começado a construção em 2025, mas até agora nada foi feito, com o projeto envolto em dúvidas sobre financiamento e transparência. Além disso, as refinarias de Cabinda, Soyo e Lobito, que deveriam reduzir a dependência de combustíveis importados, ainda não estão em operação, com o projeto de Cabinda, por exemplo, enfrentando grandes atrasos, sem qualquer previsão de início de produção.
Esses exemplos ilustram a crescente desconfiança da população nas promessas do governo e no seu compromisso com a transformação econômica do país. Embora existam dirigentes que trabalham de fato para melhorar a vida das pessoas e grupos econômicos que geram riqueza, a falta de transparência e a falta de atenção às reais necessidades da população são obstáculos para a construção de uma verdadeira confiança nas instituições.
Em última análise, o que parece ser um dos maiores desafios do governo é a renovação das práticas políticas, a escuta ativa da população e a adoção de reformas estruturais reais. O contexto social e econômico de Angola mudou, e a tolerância com discursos vazios e promessas não cumpridas está cada vez mais escassa. A sociedade exige respostas concretas, não mais palavras vazias que se perdem no eco da insatisfação popular.