O jurista e ativista guineense Sana Canté lançou recentemente o livro “Quando Desistir Não é uma Opção”, obra que revela os bastidores de sua luta política, os abusos do poder vigente na Guiné-Bissau e o sequestro brutal que sofreu em 2022. Em entrevista à RFI, Canté não poupa palavras ao descrever as tentativas de silenciamento orquestradas, segundo ele, diretamente pelo atual chefe de Estado, Umaro Sissoco Embaló.
O livro começa com uma cena aterradora: o sequestro violento que quase lhe custou a vida. A agressão foi registrada em vídeo e circulou nas redes sociais. Mesmo após três anos, ainda em recuperação física e psicológica, Canté detalha como a sua militância política o tornou um alvo do regime.
“Desde que desci do avião, percebi que algo não estava bem. Vi alguém me observar com ódio no rosto, mesmo quando as pessoas vinham me cumprimentar e tirar fotos,” relata. Pouco depois, ele foi sequestrado e torturado.
Canté afirma que a tentativa de assassinato foi ordenada por Embaló. Revela que, durante o sequestro, ouviu a voz do próprio presidente ao telefone, instruindo seus captores. Essa convicção, segundo ele, tem raízes em episódios anteriores, quando o então primeiro-ministro tentou suborná-lo para silenciar críticas.
“Ele me ofereceu dinheiro, férias em qualquer parte do mundo. Queria minha colaboração em acordos ilegais, como o de exploração de petróleo com o Senegal. Recusei. E por isso me tornei inimigo.”
Sana Canté é categórico ao afirmar que o sistema político da Guiné-Bissau não mudou desde 2015 — apenas trocou de figuras. “JOMAV saiu, Sissoco entrou, mas o regime é o mesmo. As técnicas de repressão continuam. As ameaças seguem chegando, inclusive por vias oficiais.”
Durante o sequestro, teve seus documentos confiscados. A emissão do novo passaporte foi boicotada, dificultando sua evacuação médica urgente para Portugal. Só com a intervenção das Nações Unidas conseguiu sair do país.
Canté liderava o Movimento dos Cidadãos Conscientes e Inconformados (MCCI), que organizou as maiores manifestações contra o governo. Por isso, acredita ter se tornado um dos alvos prioritários do regime.
Ele também destaca que os verdadeiros prejudicados são os guineenses comuns: “A educação está paralisada, hospitais não têm médicos nem oxigênio, mulheres grávidas morrem por falta de ambulância. A esperança média de vida é de apenas 64 anos.”
Apesar do cenário desolador, o título do livro é também um grito de resistência. “Se vencemos o colonialismo, não será um grupo de delinquentes que vai nos vencer.”
Para Canté, a atual oposição não tem estrutura para fazer frente ao regime. “Não temos oposição real. As instituições estão sequestradas. Falta coragem, falta estratégia. No Acordo de Paris, por exemplo, faltou definir um único candidato logo de início e reconhecer Domingos Simões Pereira como presidente interino.”
Segundo ele, muitos combatentes confundem a luta contra o regime com uma briga pessoal contra Sissoco. “Se ele sair e entrar outro do mesmo sistema, nada muda.”
Ao final da entrevista, Sana Canté deixa um recado direto aos jovens: “Se não acreditas mais na política, então entra na política. Assume a responsabilidade de mudar. A juventude precisa recuperar a coragem de lutar contra o mal com todas as ferramentas possíveis.”