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Angola Deve Conceder Asilo a Ali Bongo? Uma Questão de Princípios e Interesses

by REDAÇÃO

A recente decisão do Governo angolano de acolher Ali Bongo, ex-presidente do Gabão, tem gerado intensos debates dentro e fora do país. O tema não é apenas diplomático — é também legal, ético e político. Afinal, estamos diante de um antigo chefe de Estado acusado de corrupção e violação de direitos humanos, agora abrigado em solo angolano sob alegações de asilo.

De acordo com o artigo 71.º da Constituição de Angola, o direito de asilo é garantido a estrangeiros ou apátridas que enfrentem perseguição por razões políticas. A norma especifica que este direito se aplica especialmente a indivíduos ameaçados por sua atuação em defesa da democracia, liberdade e direitos humanos.

Mas será que o caso de Ali Bongo se enquadra nesses parâmetros?

Para o jurista e analista político Manuel Cangundo, a resposta é clara: não. Segundo ele, o ex-presidente gabonês não é um perseguido político nos moldes constitucionais definidos. Cangundo aponta que a concessão do asilo tem raízes em interesses políticos partilhados entre os regimes de Angola e Gabão, que, segundo ele, mantêm relações históricas de proximidade ideológica.

“A decisão não segue os fundamentos legais da Constituição. É antes uma escolha política, fruto da afinidade entre os dois regimes”, afirma Cangundo.

Benedito Daniel, presidente do Partido de Renovação Social (PRS), também se pronunciou sobre o tema. Em entrevista à DW África, reforçou que o acolhimento de Bongo deve ser visto sob a ótica humanitária, e não como um reconhecimento da sua atuação enquanto líder político.

“Ele foi recebido como cidadão comum, não como ex-presidente. Foi uma questão de hospitalidade, não de validação política”, afirmou o dirigente.

Ali Bongo foi deposto em 2023 por um golpe de Estado liderado por Brice Oligui Nguema, então comandante da Guarda Republicana. Os militares alegaram crimes como traição à pátria e corrupção, embora, até o momento, nenhuma ação judicial formal tenha sido movida contra o ex-presidente.

Esse silêncio jurídico, segundo Benedito Daniel, é curioso:

“Se há acusações tão graves, por que não houve processos judiciais no Gabão ou em tribunais internacionais?”

A família Bongo esteve no poder no Gabão por mais de cinco décadas. Omar Bongo governou de 1967 até sua morte em 2009, sendo sucedido por seu filho Ali, que se manteve no cargo até sua queda, em 2023. Esse longo domínio político é, para muitos críticos, símbolo de uma era marcada por autoritarismo e falta de alternância democrática.

A questão central permanece: Angola ofereceu asilo por razões humanitárias ou por conveniência política? A ausência de processos judiciais formais contra Ali Bongo pode até amparar a decisão no plano legal. No entanto, a moralidade da medida continua a ser amplamente questionada.

Em tempos em que os direitos humanos e a justiça ganham cada vez mais espaço nas agendas internacionais, escolhas como esta colocam os países — e suas lideranças — no centro de uma reflexão: até que ponto a solidariedade entre Estados justifica o abrigo a figuras controversas?

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