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Chega acusa Marcelo de “traição à pátria”, um crime que envolve “ofender ou pôr em perigo a independência do país”. Aplica-se?

André Ventura quer, mas não sabe se pode: vai reunir esta tarde com um conjunto de juristas para perceber se as declarações de Marcelo Rebelo de Sousa sobre reparações históricas às ex-colónias encaixam no crime de traição à pátria. O Polígrafo dá a resposta antes.

A 23 de abril, na antevéspera do cinquentenário da revolução dos Cravos, Marcelo Rebelo de Sousa jantou com jornalistas estrangeiros a trabalhar em Portugal. Nessa noite, onde as declarações foram quase todas on the record, o Presidente da República admitiu as responsabilidades de Portugal nos crimes cometidos durante a era colonial. A resposta, que já sugerira em 2023, é o pagamento como forma de “reparação”.

“Temos de pagar os custos. Há ações que não foram punidas e os responsáveis não foram presos? Há bens que foram saqueados e não foram devolvidos? Vamos ver como podemos reparar isto”. Para Marcelo, citado pela Reuters, ainda que Portugal assuma “total responsabilidade” pelos crimes coloniais, “pedir desculpas” é apenas “a parte fácil”.

No dia seguinte, quarta-feira, as palavras de Marcelo alteraram as agendas dos partidos, que reagiram, um a um, a esta possibilidade de reparação histórica. Mais verbal do que todos os outros foi o Chega, na voz de André Ventura, que considerou que a posição da Presidência “configura uma traição à pátria”. Se pudesse, Ventura “pediria a destituição” do chefe de Estado. Como a constituição não permite, o líder do partido de direita radical opta por escolher outra impossibilidade: agir criminalmente contra Marcelo por um crime que está longe de ter sido cometido, como explica Paulo Saragoça da Matta ao Polígrafo.

Depois de avançar com um voto de condenação na Assembleia da República, Ventura admitiu avançar com um procedimento criminal ao Presidente da República. “Só precisa de um quinto dos deputados” na Assembleia da República, disse.  “O Presidente foi eleito com uma maioria significativa dos portugueses. Isso não lhe dá o direito de estar acima da lei ou do escrutínio político. É importante passar ao país a mensagem de que Portugal não vai iniciar nenhum processo de reparação ou compensação às colónias”, concluiu.

O crime de “traição à pátria” está inscrito no Código Penal, artigo 308.º. É assim “punido com pena de prisão de dez a vinte anos” aquele que, “por meio de usurpação ou abuso de funções de soberania”, tentar “separar da Mãe-Pátria ou entregar a país estrangeiro ou submeter à soberania estrangeira todo o território português ou parte dele”; ou “ofender ou puser em perigo a independência do País“.

Ao Polígrafo, o advogado especializado em Direito Penal Paulo Saragoça da Matta esclarece que as declarações de Marcelo não cabem “em nenhum dos tipos penais de traição à pátria”. Na opinião do advogado, este é mais um “chavão populista consabidamente inaplicável juridicamente”. André Ventura, licenciado em Direito e doutorado em Direito Público, não encontra assim espaço na lei para avançar com um processo criminal contra o Presidente da República.