Segundo o nosso povo, “obra do chinês não dura” e o curto prazo é tudo o que o Governo tem para inverter o momento de exaustão por que passam os cidadãos.
Fonte: JA
O alto custo de vida, a insuficiente produção nacional e a dependência das importações transformaram a situação social e económica do país num barril de pólvora.
O Governo conseguiu renegociar com a China uma nova mecânica do reembolso da dívida, o que vai permitir libertar mensalmente cerca de 200 milhões de dólares que o Governo angolano deverá aplicar em importações de bens e serviços.
Mas, como diz o povo, obra do chinês não dura e, por isso, esses 200 milhões/mês podem esfumar-se rapidamente se não forem usados com parcimónia e inteligência.
Já nos aconteceu por mais de uma vez, as linhas de crédito de financiamento chinês acabarem em mãos erradas, quer fosse por uma incontrolável e imediatista tendência para a importacão de tudo, quer fosse por tentativas de realização de obras descarcatáveis a preços acima do mercado, obras sem fiscalização ou simplesmente por desvios do dinheiro para fins particulares.
Neste curto prazo que deve durar a folga conseguida com acordo chinês, o Governo tem de reforçar os mecanismos de fiscalização e controlo para que o dinheiro vá de facto para o apoio a pequenas e médias empresas que possuem capacidade de produzir produtos para substituir a dependência da importação.
A grande pressão social obriga a que no imediato o Governo recorra às importações para injectar no mercado bens e produtos para travar a galopante subida de preços. No entanto, o Governo não pode perder o foco: a decisiva aposta estratégica é nas pequenas e médias empresas que sejam capazes de produzir, mas também de devolver os empréstimos que pedirem.
Se o Governo não melhorar os mecanismos de controlo, havendo dinheiro fresco, todos os ministros, secretários de Estado, PCA’s e administradores de empresas públicas e instituições bancárias vão criar “testas de ferro” de negócios para se habilitarem aos fundos chineses. Vai repetir-se o filme e o banquete a que assistimos num passado recente.
As micro, pequenas e médias empresas que estão no campo e possuem provas dadas na condução dos negócios vão ser preteridas por processos burocráticos e muitas delas verão os seus projectos roubados por esses testas de ferro.
Perante a perspectiva de disponibilidade financeira em fins de Abril, a ausência de medidas preventivas levam-nos a desconfiar que o Governo não tenha feito o trabalho de casa e a vitória negocial conseguida pela visita presidencial à China acabe por não produzir o impacto económico que se espera.
Apesar do discurso oficial de combate à corrupção, as artimanhas e esquemas que desviaram milhões do país continuam vivos. Os marimbondos passaram à clandestinidade, mas não deixaram de existir. O mesmo acontece com o poderoso lobby das importações, que se apressa a convencer o Governo que não existe outro caminho senão a importação de bens e produtos do exterior em vez de produzi-los em Angola.
A solução passa necessariamente por controlar o apetite voraz dos lobbies e dos poderes instalados e também por encontrar um equilíbrio entre uma importação do estritamente necessário para estabilizar o mercado e o foco principal que deve ser o aumento da produção nacional nas áreas da construção civil, agricultura, indústria transformadora e têxtil. Não pode haver qualquer dúvida quanto à necessidade pontual de importações para estabilizar o mercado, mas o foco deve estar absolutamente concentrado na busca de soluções que permitam rentabilizar negócios das micro, pequenas e médias empresas.
Mesmo esse curto prazo que vai levar a termos efeitos do dinheiro chinês, vai estar sujeito a momentos de turbulência. A greve decretada pelas centrais sindicais representa, antes de mais, um sinal de impaciência e saturação com a situação económica.
É óbvio que o grande motivo para a degradação da relação com os representantes dos trabalhadores vem do alto custo dos bens de primeira necessidade e dos transportes. Milhares de famílias sofrem os efeitos do desemprego nas suas mesas, mas também as que estão empregadas não conseguem uma vida muito melhor. Com os preços actuais, as famílias não se conseguem alimentar nem custear as necessidades básicas com a escola dos filhos, e transporte.
A manter-se o braço-de-ferro entre os sindicalistas e o Governo, a tendência será ainda mais agravar a situação e os trabalhadores radicalizarem as suas posições. A intransigência e impaciência dos trabalhadores tem a ver com os sinais de esbanjamento que vem do Governo. Ao mesmo tempo que se alega falta de dinheiro para aumentar o salário mínimo, o Governo nunca deu sinais de contenção de gastos. As viagens superlotadas, as conferências com gastos exorbitantes e as mordomias continuam a ser feitas aos olhos dos trabalhadores, que apenas conseguem fazer uma refeição por dia e pagam em transportes tanto quanto ganham.
O mesmo Governo, que defende o equilíbrio das finanças públicas, depois se mostra incapaz de sancionar ou dar mostras públicas de insatisfação e intolerância para com os gestores públicos que não prestam contas ou usam indevidamente o dinheiro público de acordo com as regras orçamentais.
Com a sua actuaçao, o Governo não consegue evidenciar publicamente gestos e atitudes de austeridade, o que contrasta radicalmente com a situação vivida por cada um dos trabalhadores. Enquanto o trabalhador continuar a sentir-se a única vítima do custo de vida; enquanto o Governo não dar mostras de que também acompanha os cidadãos nestes sacrifícios, o discurso reivindicativo das centrais sindicais vai aumentar de tom e do número de aderentes.