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LIÇÕES PARA A AGRO-PECUÁRIA EM ANGOLA

A ampla disponibilidade de terras férteis, a prevalência de condições climáticas favoráveis, o acesso a água e um grande mercado consumidor interno são, num primeiro momento, os principais determinantes para o desenvolvimento da agricultura de um país. Porém, mesmo reunindo todos estes factores, é surpreendente notar que muitos países em desenvolvimento enfrentam enormes dificuldades em promover a produção agrícola e, sobretudo, em alcançar ganhos de produtividade substanciais no cultivo de grãos, cereais e hortaliças, além da pecuária.

Fonte: Maka Angola

Este cenário é ainda mais desolador em países onde os índices de fome e de pobreza atingem níveis alarmantes. Pelo contrário, nos países com crescimento económico, também a agricultura prospera, fornecendo alimentos baratos, matérias-primas e insumos para indústrias de processamento.

O aumento da produtividade agrícola ataca a pobreza por três vias diferentes: aumenta os rendimentos da população mais pobre de países em desenvolvimento, que em grande parte trabalha na agricultura; reduz os preços dos alimentos, que afectam directamente os rendimentos reais e a pobreza nestes países; e gera transferências importantes para o resto da economia, dada a extensão e a complexidade das cadeias de valor do agro-negócio.

Tendo como referência estes efeitos tão positivos para o desenvolvimento económico, é de se esperar que as políticas públicas voltadas para agro-pecuária sejam tema prioritário em países como Angola, onde há abundância de terras férteis e condições climáticas favoráveis. Entretanto, o que se observa em muitos casos, incluindo em diversos países do continente africano, é uma grande dificuldade em traduzir o potencial agrícola em resultados sólidos que provoquem uma transformação substancial na estrutura da economia e originem ganhos para a população que reside nas áreas rurais.

Primeiramente, é importante destacar que a agricultura é uma actividade económica extremamente relevante para os países de África, empregando cerca de 65% de toda a mão-de-obra do continente. Porém, numa comparação com países de outras geografias, é notório o grande desfasamento em termos de produtividade. A produtividade média deste sector em África é metade da de outros países em desenvolvimento na Ásia e na América Latina. No caso específico da produção de cereais, com poucas excepções, não chega a um terço do que se observa nestes outros continentes.

A grande transformação no espaço agrícola mundial deu-se com a “Revolução Verde”, iniciada nas décadas de 1940 e 1950, que representou uma transformação profunda na agricultura mundial ao longo do século XX. A adopção de novas tecnologias, a mecanização agrícola, as variedades de cultivos de alto rendimento, os fertilizantes químicos, pesticidas e herbicidas levaram ao aumento consistente da produtividade agrícola e da produção de alimentos. A partir da década de 1990, novos avanços tecnológicos beneficiaram as práticas agrícolas, com o desenvolvimento da agricultura de precisão (aplicação localizada de insumos, biotecnologia, geoposicionamento e disseminação de softwares agrícolas) e, mais recentemente, da agricultura digital (uso de sensores e big data, inteligência artificial e internet das coisas). As tecnologias mais recentes permitem alcançar mais ganhos de produtividade e de sustentabilidade, com menor uso de insumos e maior adaptabilidade de soluções.

A questão que se coloca nos países em desenvolvimento, que muitas vezes nem sequer experienciaram a “Revolução Verde” em larga escala, é a de como construir estratégias e políticas públicas que façam a transição para os novos paradigmas de produção, colocando-os na rota da modernização e da prosperidade agro-pecuária. Para isso, é preciso observar experiências bem-sucedidas de desenvolvimento de um sector agro-pecuário pujante e moderno no contexto dos países em desenvolvimento. Particularmente, importa compreender as experiências de sucesso empreendidas em regiões tropicais, onde os desafios são distintos dos da agricultura tradicional em países de clima temperado.

A experiência mais célebre em agricultura tropical, e que é relativamente conhecida em Angola, é a do Brasil. Na década de 1960, o Brasil era um grande importador de bens alimentares, situação que complicava o financiamento no balanço de pagamentos e provocava surtos inflacionários. Desde então, o país transformou-se num dos protagonistas do agro-negócio mundial, assumindo uma posição de liderança na produção e na exportação de uma variedade de produtos agrícolas. Além do caso brasileiro, existem também outros exemplos notáveis de sucesso agrícola no continente africano, onde o desenvolvimento de culturas-chave serve como referência para o avanço do sector agro-pecuário em países em desenvolvimento.

O primeiro passo nesta jornada é compreender que as cadeias de valor do agro-negócio são marcadas por complexidade e por ligações estreitas entre os seus elos. Há um longo caminho e uma diversidade de agentes envolvidos, desde a produção e a distribuição de uma semente ou muda até à expedição do produto para o mercado consumidor interno ou de exportação. Quando um dos elos de uma cadeia de valor apresenta falhas ou simplesmente não existe, isso pode causar interrupções ou diminuir significativamente a eficiência de toda a cadeia. Essas deficiências comprometem o fluxo e a produtividade, não afectando apenas um único estágio, mas também a operacionalidade e o desempenho global do sistema. Para garantir a máxima eficiência e alcançar os objectivos de produção e distribuição, é fundamental que todos os elos funcionem de maneira eficaz e integrada. Tomar em consideração este aspecto é ainda mais importante em cenários onde, apesar da abundância de factores – como terras e mão-de-obra, aliadas a condições climáticas favoráveis –, se observam taxas de produtividade agrícolas extremamente baixas.

A experiência internacional mostra que o Estado desempenha um papel fundamental na articulação de políticas de desenvolvimento agrícola, tanto como um agente activo na promoção de crédito, infra-estruturas e investimentos em pesquisa, como também no papel de regulador e facilitador dos empreendimentos liderados pela iniciativa privada. A actuação eficaz do Estado é crucial diante da necessidade de canalizar recursos avultados para o agro-negócio, que incluem o financiamento e a atracção de empreendedores e actores para os diversos segmentos das cadeias produtivas.

Ao analisar as experiências de sucesso, um dos factores que se verificam em todos os países bem-sucedidos é o investimento consistente em investigação e desenvolvimento (I&D), através da criação de centros de pesquisa centrados no estudo das características geológicas e da adaptação de mudas e sementes resistentes a intempéries climáticas e a terrenos menos férteis.

A criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) no Brasil, em 1972, foi um passo significativo para o desenvolvimento da agricultura tropical. A empresa assumiu o papel de líder em inovação tecnológica para o agro-negócio, adaptando e desenvolvendo tecnologias adequadas às diversas regiões do país. Foi essencial para o aperfeiçoamento das práticas de cultivo e de gestão dos solos, especialmente na região do Cerrado (tipo de savana semelhante às matas de miombo que cobrem boa parte da África austral), que se tornou uma das mais produtivas regiões agrícolas do mundo. A pesquisa e a disseminação de tecnologias viabilizadas pela Embrapa não só aumentaram a produtividade agrícola, como também permitiram gerar novas técnicas de gestão e promoveram a sustentabilidade e a competitividade do sector agro-pecuário brasileiro no mercado mundial, demonstrando a importância estratégica da ciência voltada para as especificidades da agricultura tropical.

Outros centros de pesquisa – como o Institut de Recherche Cotonniere et des Fibres Textiles Exotiques (IRCT), no Mali, fundado em 1946, e a Horticultural Crops Development Authority (HCDA), no Quénia, estabelecida em 1967 – demonstram que o investimento persistente e de longo prazo em I&D pode ter um impacto significativo na produtividade agrícola. No Mali, o IRCT foi criado ainda antes da independência, como parte de uma estratégia do governo francês para aumentar o fornecimento de algodão à indústria têxtil francesa após a Segunda Guerra Mundial. A fundação do instituto catalisou investimentos em infra-estruturas locais, incluindo uma fazenda-escola voltada para o desenvolvimento de sementes e a formação de agricultores, além do estabelecimento da Compagnie Française de Developpement des Textiles (CFDT) em 1949. Mesmo após a independência do Mali, em 1960, esta unidade de investigação continuou a evoluir, capitalizando quase duas décadas de experiência em produção e manufactura de algodão. A missão primordial da HCDA, no Quénia, era desenvolver políticas que integrassem as inovações de I&D na indústria agro-pecuária local. Isso incluía facilitar o acesso a insumos e crédito para novos empreendimentos agrícolas. Um exemplo marcante da eficácia da HCDA foi a sua actuação na joint venture entre a empresa australiana Cottees e a estatal Kenya Fruit Processing (KFP). A HCDA desempenhou um papel crucial ao intermediar a distribuição de sementes, fertilizantes e pesticidas, e ao assegurar financiamento para a joint venture. Essa estratégia resultou em ganhos significativos num período relativamente curto. Em 1970, a KFP destacava-se como um dos maiores exportadores de frutas do continente africano.

Nesse sentido, se não houver um esforço de investimento em I&D local – que pode ser feito em parceria com países experientes em transferências de tecnologia –, as hipóteses de se elevar a produtividade agrícola de forma significativa e consistente serão diminutas. Não dispor dos avanços científicos adequados às condições locais conduz os agricultores a práticas rudimentares, tentando ser bem-sucedidos por vias inadequadas às particularidades locais.

Um segundo elemento necessário para incorporar novas práticas e reorganizar o campo é a oferta ampla de insumos de qualidade. Ao contrário dos centros de investigação e produção de mudas e sementes, o fabrico interno de maquinaria e de produtos fitossanitários pode ser extremamente desafiante, razão pela qual a maioria dos países opta por importá-los de países com vantagens competitivas nessas indústrias. O acesso a insumos de qualidade a preços acessíveis é ainda mais importante quando se trata de pequenos produtores rurais, para os quais a aquisição de insumos corresponde a uma percentagem maior dos rendimentos obtidos com a venda da sua produção.

Para viabilizar a incorporação de tecnologias e os ganhos de produtividade, o acesso ao crédito rural é da maior relevância. A experiência internacional destaca três modelos principais de financiamento do produtor rural: crédito subsidiado ou direccionado pelo governo, financiamento por agentes pertencentes à cadeia e organização de cooperativas.

De novo, o Brasil serve como um exemplo claro de que o crédito rural abundante é fundamental para a expansão das fronteiras agrícolas. Na fase inicial de modernização do sector, as taxas de juros subsidiadas desempenharam um papel essencial, pois proporcionaram aos produtores rurais o acesso a insumos de alta qualidade, essenciais para o desenvolvimento das áreas do Cerrado. Esses financiamentos a taxas bonificadas ajudaram a compensar os custos elevados dos insumos, tornando os investimentos mais atractivos e facilitando a expansão agrícola nessas regiões.

No modelo de financiamento em que os agentes internos das cadeias de produção desempenham um papel central, uma empresa com capacidade financeira situada num dos elos da cadeia de valor fornece ao produtor rural insumos essenciais, como fertilizantes e sementes, em troca de uma parte da produção destinada à comercialização no mercado interno ou à exportação. Este método foi amplamente utilizado em países como o Quénia e a Costa do Marfim, onde as empresas de trading (intermediárias entre empresas fabricantes e empresas compradoras, sejam nacionais ou estrangeiras) foram especialmente activas no financiamento da produção de frutas e vegetais para o mercado europeu. No Brasil, após o colapso das finanças públicas na década de 1980, observou-se uma maior integração dos agricultores e pecuaristas no mercado, com as empresas de trading, as revendas de insumos e as redes de supermercados modernas assumindo um papel crescente na concessão de financiamento.

Por fim, em alguns casos, os produtores unem-se em cooperativas para negociar colectivamente com fornecedores e clientes, obtendo preços mais competitivos do que conseguiriam individualmente. No Quénia, por exemplo, o cooperativismo foi fundamental para aumentar a produtividade no sector dos lacticínios, proporcionando acesso a melhores insumos e tecnologias. Os sistemas cooperativistas mais desenvolvidos oferecem muitas vezes crédito de investimento e custeio aos seus membros, assim reforçando o seu papel vital de apoio ao desenvolvimento agrícola.

Um elemento crucial para a política agrícola, que compete aos governos, é a criação e manutenção de infra-estruturas logísticas adequadas ao agro-negócio. Sem um planeamento eficiente da malha rodoviária e ferroviária, sem investimento em portos e aeroportos, sem a implantação de silos e centros de armazenamento e sem condições sanitárias adequadas é improvável que o produtor rural consiga estabelecer ligações eficazes com os centros de investigação, os fornecedores de insumos e os mercados de consumidores. Além disso, uma infra-estrutura logística deficiente reduz os incentivos tanto para o produtor rural, que percebe que são escassas as hipóteses de lucrar com a comercialização do seu excedente, quanto para os investidores noutros elos da cadeia de valor, que enfrentam um aumento significativo dos custos e dos riscos associados à oferta de serviços e à aquisição de produtos agro-pecuários. Este cenário impacta negativamente o desenvolvimento da indústria local de processamento e a competitividade dos produtos destinados à exportação.

É preciso também garantir, especialmente nas fases iniciais de desenvolvimento de uma agricultura moderna, que os preços recebidos pelo produtor remuneram os investimentos e incentivam a produção. Fomentar estruturas de mercado que levem a um ambiente concorrencial na oferta de insumos e na aquisição dos produtos agrícolas é essencial para que os rendimentos da produção agrícola não sejam capturados por participantes de outros elos das cadeias de valor. Nas décadas de 1970 e 1980, existia no Brasil a figura dos “atravessadores”, intermediários no mercado de géneros alimentícios que compravam produtos directamente aos produtores rurais e os revendiam aos consumidores ou retalhistas a preços muito mais elevados. Esses intermediários eram frequentemente criticados por capturarem uma grande parte do lucro que poderia beneficiar directamente os agricultores. Com o tempo, graças ao desenvolvimento de infra-estruturas logísticas e de cooperativas agrícolas, que permitiam aos produtores venderem seus produtos directamente no mercado, essa prática começou a diminuir, reduzindo a dependência dos “atravessadores”.

Em suma, a estruturação de uma política de desenvolvimento da agricultura começa por um diagnóstico profundo da cadeia de valor do agro-negócio, em especial dos entraves de cada elo e das melhores alternativas para os eliminar. Neste processo, o papel do Estado é fundamental, em especial nas etapas iniciais da cadeia, que envolvem o compromisso político com a I&D, criação e manutenção de infra-estruturas adequadas e disponibilização de crédito aos produtores rurais. Mas é a integração eficaz no mercado que vai garantir o contínuo e persistente aumento da produtividade agro-pecuária, condição indispensável para a competitividade e a criação de riqueza. Finalmente, importa destacar que, nos países em desenvolvimento, é fundamental implementar estas políticas num quadro amplo de redução de desigualdades. Neste sentido, tanto a concessão de crédito como a atribuição de subsídios devem ser cuidadosamente pensadas de forma a integrar os pequenos produtores na cadeia de valor do agro-negócio.