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Erros e omissões comprometem julgamento de generais em Angola

by REDAÇÃO

O Procurador-Geral da República de Angola, Hélder Pitta Groz, surpreendeu recentemente ao reconhecer publicamente que a Procuradoria cometeu erros na condução de processos judiciais — alguns, segundo ele, de forma intencional. A inusitada declaração levanta dúvidas sobre os bastidores do sistema judicial e lança suspeitas sobre a preparação institucional para lidar com casos de grande repercussão, como o julgamento dos generais Kopelipa e Leopoldino Fragoso do Nascimento, conhecido como “Dino”.

O julgamento, inicialmente agendado para 10 de dezembro de 2024, foi adiado após a juíza-presidente, Anabela Valente, reconhecer que não havia cumprido o prazo legal de notificação aos arguidos e seus advogados, como determina o artigo 362.º do Código do Processo Penal (CPP). Apenas poucos dias haviam separado o despacho de marcação da data da audiência, quando a lei exige um mínimo de 15 dias.

Remarcado para março de 2025, o julgamento enfrentou novo contratempo. Um dos réus, o cidadão chinês Yiu Haimin, não dispunha de tradução para sua língua materna, uma falha que contraria diretamente o artigo 105.º do CPP, que prevê a nomeação de intérprete para quem não compreenda a língua portuguesa. O intérprete só foi providenciado após intervenção da Embaixada da China.

Apesar do problema resolvido, outro obstáculo surgiu: a ausência de um advogado constituído pela empresa CIF, também arguida no processo. A inexistência de defesa legal é motivo de nulidade processual insanável. A juíza não nomeou defensor oficioso, nem optou por separar os processos, como previsto no artigo 24.º do CPP, o que voltou a atrasar o andamento do julgamento.

A sucessão de adiamentos e erros processuais expôs uma fragilidade preocupante no funcionamento da justiça angolana. Especialistas têm questionado a experiência penal da equipa de juízes responsável pelo caso. A juíza Anabela Valente, por exemplo, possui trajetória essencialmente na área cível e familiar. Os juízes que a acompanham, Raul Rodrigues e Inácio Paixão, também têm perfis ligados ao direito civil e administrativo, com pouca ou nenhuma atuação prévia em matéria penal.

Essa composição, num processo de elevada complexidade técnica e sensibilidade política, levanta sérias dúvidas sobre a capacidade do tribunal para garantir a legalidade e imparcialidade do julgamento.

Outro ponto crítico do processo é a não convocação do ex-vice-presidente da República, Manuel Vicente, para depor em tribunal. Embora citado diversas vezes na acusação e apontado pelos arguidos como figura-chave nas negociações com o China International Fund (CIF), o tribunal decidiu usar apenas as declarações prestadas por Vicente durante a instrução. A juíza considerou essas declarações suficientes, mesmo diante de insistentes pedidos da defesa para que ele fosse ouvido presencialmente ou por videoconferência.

Especialistas apontam que a decisão viola o princípio do contraditório e pode ferir garantias constitucionais fundamentais, como o direito à defesa e a um julgamento justo, previstos nos artigos 67.º e 72.º da Constituição. A exclusão de Vicente do julgamento sem base legal clara pode abrir caminho para uma futura anulação do processo, a exemplo do que ocorreu no célebre caso de José Filomeno dos Santos. Em 2024, o Tribunal Constitucional considerou inconstitucional a condenação de “Zenú”, destacando falhas semelhantes no respeito aos direitos dos arguidos e à produção de prova.

Informações vindas de fontes ligadas ao processo revelam que as testemunhas arroladas pela acusação têm, na maioria das vezes, fornecido relatos que não sustentam de forma convincente as imputações contra os réus. Algumas declarações chegaram a contradizer diretamente elementos centrais da acusação. O andamento do julgamento, assim, permanece envolto em incertezas quanto aos factos que serão realmente provados em juízo.

Outro elemento polémico é a restrição imposta à imprensa durante as sessões de produção de provas. Apesar de o CPP, nos artigos 364.º e 95.º, estabelecer que as audiências devem ser públicas — salvo exceções justificadas por protecção da vida privada —, os jornalistas têm sido impedidos de acompanhar essa fase crucial do julgamento. Apenas a leitura do acórdão final poderá ser acompanhada pela comunicação social.

A ausência de fundamento legal claro para essa decisão reforça o receio de que o processo esteja a decorrer à margem das garantias previstas na legislação. A falta de transparência pode vir a constituir mais um argumento para a contestação futura do julgamento.

Diante das várias irregularidades — desde erros processuais básicos até decisões polémicas sobre provas e publicidade —, cresce o debate sobre a validade e a eficácia do julgamento. O caso, que envolve figuras centrais do poder político e económico angolano dos últimos anos, tornou-se um teste decisivo para a credibilidade do sistema judicial.

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